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15.6.10

Presidente da AMUPAL: “Mulheres querem ser mais interventivas, mas não têm tempo"

As mulheres chefes de família da região do Planalto Leste desejam ter um papel mais activo nas associações de desenvolvimento local, mas devido às inúmeras tarefas que têm em mãos – lida doméstica, criação dos filhos, acartar água, agricultura de subsistência, etc – acabam por não ter tempo para participar nas actividades associativas.

Maria Conceição Lopes, a presidente da Associação das Mulheres de Planalto Leste-AMUPAL afirma que as mulheres participam “muito pouco no trabalho da associação”, mas – justifica – a “zona é de sobrevivência difícil”. Ou seja, as mulheres têm “vontade de participar, mas torna-se difícil largar uma ou duas horas para depois voltar a pegar no trabalho da casa”- trabalho este que inclui tarefas pesadas e que, na maioria das vezes, são da exclusiva responsabilidade da mulher. “Muitas pessoas não têm a possibilidade de ter uma cisterna na casa e têm que ir buscar água e acartar lenha e enfrentam uma data de dificuldades. Há mulheres que ganham 200 escudos por dia e que passam muitas dificuldades. Elas têm vontade de ser mais activas, mas não têm tempo”, diz Maria Conceição Lopes.

A AMUPAL actua na área do perímetro florestal do Planalto Leste, uma unidade agro-ecológica com cerca de 6.000 hectares, segundo dados do Ministério do Ambiente. Na região, vivem cerca de 2980 pessoas, distribuídas por cerca de 493 agregados familiares.

Tal como a maior parte das associações locais na ilha, a AMUPAL foi criada com o objetivo de melhorar a vida dos agricultores e da comunidade, criando empregos e promovendo a formação, numa ilha onde há uma excessiva dependência dos subsídios das FAIMO (Frentes de Alta Intensidade de Mão de Obra) e onde a taxa de analfabetismo é bastante superior à média nacional.

“Criamos a associação porque temos mais mulheres na comunidade, essencialmente mulheres chefes de família, e necessitávamos de reunir recursos para a educação, saúde e alimentação. Nestes cinco anos em que temos a associação temos conseguido alguns trabalhos e já fizemos projectos para empresas”, conta a presidente da AMUPAL.

A associação tem estado envolvida nas actividades de preservação do perímetro florestal, contribuindo, por exemplo, com a mão-de-obra para a construção de um posto de vigia, mas tem também participado em outras obras, como a construção de tanques, caminhos e diques, através dos contratos-programas assinados com os Ministérios do Ambiente, Desenvolvimento Rural e Recursos Marinhos (MADRRM) e Ministério de Infra-estrutura e Transporte para execução de obras no domínio de agricultura, captação e construção de novas infra-estruturas de água para rega, conservação de solo e água e de caminhos vicinais e muros, entre outros.

Os 42 membros da associação são essencialmente mulheres chefes de família, com um nível de instrução muito baixo. “Trabalham na agricultura de sequeiro. Semeiam o milho, fazem tudo, na casa, na educação dos filhos. Temos uma grande taxa de analfabetismo, e é difícil as mulheres participarem em formações”.

Uma grande parte dos trabalhadores rurais de Santo Antão depende das FAIMO para a obtenção de um rendimento mínimo e o Planalto Leste não é excepção. A ilha é também a que tem maior percentagem de pobres em todo o país (45,6%, contra os 26,6% de taxa de pobreza a nível nacional). Maria Conceição Lopes confirma que muitas famílias estão dependentes dos rendimentos das FAIMO, tanto que “há agricultores que sem esses rendimentos não têm sequer a possibilidade de trabalhar a terra na altura das chuvas”.

“Às vezes, depende de quanto se ganha das FAIMO. Muita gente tem que pagar a alguém para trabalhar a terra. Se receber 200 escudos das FAIMO, não dá para pagar um homem na lavra, o que ficaria à volta dos 500, 600 escudos. Depois esse pagamento não vem mensalmente, às vezes atrasa um bocadinho. E se nesse ano não dá chuva ainda têm que comprar as sementes: feijão, milho, batata inglesa”, remata a presidente da AMUPAL.

14.6.10

“Se insistirmos na formação, vamos resolver todos os problemas de desigualdade”

Entrevista com Oumar Barry, coordenador do projecto de ordenamento e valorização da Bacia Hidrográfica de Picos e Engenhos, em Santiago.

Destaques

•Primeiro projecto do tipo em Cabo Verde é o de Picos e Engenhos
•População é beneficiada através do trabalho desenvolvido pelas associações locais
•Projecto das bacias permite rentabilizar produção agrícola
•Mulheres são parte activa das obras realizadas nas comunidades e nas ribeiras


Quando começou este projecto?Os projectos de ordenamento e valorização da Bacia Hidrográfica existem em várias ilhas, na seqüência da política actual para a modernização da agricultura que está a ser implementada pelo Governo, através do Ministério do Ambiente, Desenvolvimento Rural e Recursos Marinhos.
O nosso projecto em Picos e Engenhos começou em 2005. É o primeiro projecto deste tipo a iniciar e está já em curso. Mas, este ano, está previsto o arranque de outros cinco projectos.

Para quem não tem conhecimento nesta área, pode explicar o que é uma bacia hidrográfica?
Uma bacia hidrográfica é uma área geográfica em que a água cai numa área delimitada e se encontra no mesmo ponto para escoar para o mar. Normalmente, são ribeiras ou podem ser um conjunto de ribeiras.

E no vosso projecto que tipo de intervenção fazem nessa bacia?
Antes de mais, o projecto faz parte dos Grandes Programas do Governo na luta contra a pobreza no meio rural. Deste modo, o projecto tem como objectivo a mobilização, stockagem e distribuição de água para rega, a protecção do meio ambiente, a modernização da produção agrícola, a promoção da comunidade rural através de associações compostas pelos beneficiários do projecto.
No nosso projecto, o que fazemos primeiro é explicar às pessoas que trabalham e moram na bacia os objectivos do projecto, depois envolvemos a população, organizamo-la em vários grupos em função das ribeiras que constituem a bacia hidrográfica, que são as sub-bacias.

Como beneficiam exactamente a população?
A nível de cada ribeira, promovemos a criação de uma ou duas associações em função do tamanho da ribeira ou da vontade da população. A associação é toda organizada: tem assembléia-geral, conselho de direcção, todos os órgãos. Depois, identificamos, com a população, os trabalhos que devem ser feitos na sua área e os problemas. Definimos então o trabalho que vai ser feito, priorizamos o trabalho, definimos um custo financeiro e assinamos um contrato de execução com as organizações. É uma acção integrada de desenvolvimento, em que lidamos com tudo: distribuição da água, conservação dos solos, introdução de culturas, pecuária, silvicultura, formação, informação.

E fazem alguma distribuição de água e das terras?
Não, nós não mudamos a estrutura. Cada agricultor tem a sua parcela, e tanto pode ser proprietário ou rendeiro, mulher ou homem. O que nós fazemos é procurar o agricultor e perguntar se aceita mudar a técnica de produção para ganhar mais. Para isso, identificamos a área em que trabalha e os seus problemas, e propomos as soluções. Mas ele não vai trabalhar sozinho, e sim em conjunto com os outros agricultores.

Constroem, pelo que me diz, reservatórios, sistemas de bombagem de água. E rega gota-a-gota já chegou a Picos Engenhos?
Queremos instalar esse sistema e ter água para 160 hectares de regadio gota a gota. Actualmente, temos água mobilizada para 294 hectares.

Em sistema de regadio?
Antigamente aquela área era de sequeiro, ou era uma área que perdeu a água de rega e se tornou sequeiro. Mas agora queremos transformar outra vez em área de regadio.

No trabalho que fazem com as associações já integram a abordagem de gênero?É normal que falemos de gênero - em Cabo Verde, a maioria dos agricultores são mulheres. A relação que temos na bacia é de 53% de mulheres para 47 por cento de homens.

As estatísticas vêm mostrando que, de facto, há cada vez mais mulheres agricultoras e que os homens estão a abandonar a actividade.
Nós temos forçosamente que trabalhar com as mulheres. Até a associação que temos promovido, tem mais mulheres associadas do que homens. É verdade que na direcção da associação há uma persistência dos homens, mas mesmo assim temos muitas mulheres nos órgãos de direcção. E em cerca de 43 por cento das associações os presidentes são mulheres.

De facto, as mulheres estão mais presentes na agricultura mas isso não impede que continuem a ter menos direitos.
Não, eu não reflicto assim. Não digo que a mulher não tem o mesmo direito que o homem. Na lei cabo-verdiana, o homem e a mulher têm os mesmos direitos no meio rural.

E na prática?
Na prática, o direito é o mesmo. Mas o homem tem sempre a tendência a impor-se, quer mostrar que pode fazer melhor do que a mulher. No projecto, eu tenho visto o contrário. As melhores associações têm mulheres presidentes. Temos associações empreiteiras, em que as grandes obras, reservatórios de 2000 e 4000 mil metros cúbicos de água, são feitas por mulheres. Essas mulheres pedreiras fazem um trabalho muito melhor, em termos de perfeição, do que pedreiro tradicional. Na bacia de Engenhos, a maior parte da mão-de-obra contratada pela empresa portuguesa que está à frente das grandes obras do projecto é feminina.
Não podemos esquecer, que antigamente, no meio rural, os homens tinham mais escolaridade, e a escola é sempre um instrumento de dominação. Olhando hoje para os jovens agricultores, homens e mulheres que já têm a mesma formação prática e o mesmo grau de escolaridade, vemos nitidamente que essa disparidade começa a desaparecer.

E a tendência é para que venha a desaparecer por completo?
Eu acho pessoalmente que o problema da desigualdade no meio rural deve ser combatido com a formação. Se insistirmos na formação, vamos resolver todos os problemas de desigualdade que existem, já que a formação permite à mulher ter uma condição de trabalho igual à do homem.