30.4.14

Carta aberta da REDSAN-CPLP e Plataforma dos Camponeses sobre Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP



Os representantes da Rede da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar e Nutricional na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Plataforma dos Camponeses da CPLP reuniram-se hoje em Lisboa com o Secretário-Executivo da CPLP, manifestando o seu desagrado pelo atraso na implementação da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP (ESAN-CPLP).

Numa carta aberta - documento que reúne algumas das principais conclusões da VII reunião da REDSAN-CPLP - os representantes da Sociedade Civil dos países lusófonos apresentam várias reivindicações que consideram necessárias para a operacionalização da ESAN-CPLP. O documento foi apresentado ao SE da CPLP pela representante de Angola, Ricardina Machado.



O Embaixador Murade Murargy, que se fez acompanhar na audiência de cerca de uma hora pelo representante da FAO na CPLP, Hélder Mutea, e pelo director de cooperação Manuel Lapão, comprometeu-se a fazer circular a Carta Aberta entre os Governos dos países lusófonos. Murargy salientou igualmente a importância da Sociedade Civil na dinamização da CPLP: "O homem é o centro da CPLP. É o nosso capital humano. A minha visão é que a CPLP seja uma organização da Sociedade Civil e não a CPLP dos governos".



Reproduzimos a Carta Aberta com o posicionamento político da REDSAN-CPLP e da PC-CPLP:

28.4.14

Ano Internacional da Agricultura Familiar no centro das atenções em encontro da REDSAN-CPLP


Foto: João Pinto

O empoderamento da Agricultura Familiar nos países lusófonos é um dos temas centrais em debate na VII Reunião da Rede Regional da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar e Nutricional na CPLP (REDSAN-CPLP). O encontro realiza-se no Hotel Lutécia, em Lisboa, entre os dias 28 e 30 de Abril de 2014.

Criada formalmente em 2007, a REDSAN-CPLP congrega mais de 400 organizações da sociedade civil nos países de língua portuguesa. Através de redes nacionais parceiras, estas instituições procuram influenciar a agenda política nacional, regional e internacional e contribuir para um reforço do desenvolvimento rural e da segurança alimentar e nutricional.

A rede regional é gerida e impulsionada pela organização não-governamental ACTUAR – Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento, sedeada em Coimbra, Portugal. Representantes das redes nacionais de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Brasil e Portugal estarão presentes nesta reunião, bem como o Coordenador da Plataforma de Camponeses da CPLP, Sambu Seck, e o coordenador global da Rede Internacional de Segurança Alimentar (IFSN), Shahidur Rahman.

Associando-se à iniciativa da Organização das Nações Unidas, que declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF2014) com o propósito de aumentar a visibilidade da agricultura familiar e dos pequenos produtores, a REDSAN-CPLP discutirá os desafios e constrangimentos que afectam os pequenos produtores agrícolas no espaço da lusofonia.

A nível mundial, e de acordo com um estudo realizado pela FAO em 93 países, as produções familiares representam mais de 90% de todas as produções agrícolas. Esta é também a realidade no conjunto dos Estados-membros da CPLP onde, não obstante as especificidades de cada nação, os produtores familiares agrícolas representam, em média, mais de 75% das explorações agrícolas (mais de 80% nos casos de Angola e São Tomé e Príncipe; e mais de 90% em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique). Em Portugal, segundo dados da FAO, a mão-de-obra familiar agrícola tem uma forte presença, sobretudo nas regiões norte e centro do país, representando 80% do total de toda a produção agrícola nacional.

Durante esta reunião, a REDSAN-CPLP definirá ainda intervenções conjuntas de promoção e desenvolvimento da agricultura familiar nos países da CPLP e estabelecerá um posicionamento político relativamente ao reforço da Agricultura Familiar no quadro da implementação da Estratégia Regional de Segurança Alimentar e Nutricional (ESAN-CPLP) – aprovada em 2011 pela CPLP com o objectivo de erradicar a fome e a pobreza nos seus Estados-membros. Este posicionamento político será encaminhado para o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP (CONSAN-CPLP), que se reunirá em Julho, em Timor Leste.

15.4.14

Murargy: CPLP tem potencial para garantir auto-consumo e exportação de bens agrícolas

O Secretário Executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), embaixador Murade Murargy, acredita que as oito nações lusófonas têm o potencial agrícola, humano e tecnológico para garantir a segurança alimentar interna e a exportação dos excedentes para países com limitações na sua produção agrícola.

A FAO assinou, em Março passado, um Programa de Cooperação Técnica com a CPLP para reduzir a fome a zero nos países onde se fala a língua de Camões. O programa, orçado em 500 mil dólares, vai apoiar a CPLP e os governos dos Estados-membros na implementação de uma Estratégia Regional de segurança alimentar e nutricional. Mais de 250 milhões de pessoas no espaço da lusofonia serão abrangidas pelo projecto.


Confira a entrevista completa com o secretário-executivo da CPLP:

12.3.14

Angola: Duas comunidades rurais de Bié recebem Título de Reconhecimento Útil

Duas comunidades rurais da Província de Bié, em Angola, receberam, em Fevereiro passado, o seu Título de Reconhecimento Útil Consuetudinário. Os títulos foram entregues às comunidades rurais de Elumbi e Katapi, ambas localizadas no município de Kuito.




O reconhecimento surge após um longo processo de criação de capacidades dentro das instituições do governo provincial, assim como de um trabalho minucioso com as comunidades beneficiadas e as comunidades vizinhas.

Estes dois primeiros títulos entregues na província do Bié (que se vêm juntar a outros já entregues na Província da Huíla) consolidam o processo de criação de capacidades institucionais e sensibilização das populações e garantem o reconhecimento dos direitos das comunidades rurais na Província de Bié.

Com estes novos processos de reconhecimento, estão criadas as sinergias para levar a cabo novos processos em outros municípios, onde já foram ministradas formações aos quadros das instituições locais. Em particular, já se iniciaram três novos processos de delimitação de terras nos municípios de Kamakupa, Nharea e Andulo, junto de comunidades que têm manifestado o seu interesse na legalização das suas terras comunitárias.

Fonte: Txaran Basterretxea, consultor em Angola

10.2.14

Angola: Comunidade de Jamba II recebe Título de reconhecimento

A comunidade de Jamba II, localizada no sudoeste de Angola, obteve o seu Título de Reconhecimento de Comunidade. A entrega oficial do Título ao seu administrador municipal, Januário Lombe, realizou-se no passado dia 4 de Fevereiro de 2014. 


Os membros da comunidade, localizada no município da Humpata, Província da Huíla, regozijaram com a atribuição do título, numa cerimónia que contou com a presença dos membros do conselho de auscultação do município, de que fazem parte ONGs, Igrejas reconhecidas pelo Estado, partidos políticos, o IGCA, representado por Dinis Afonso e a  Direcção Provincial da Agricultura, representada no evento por Rita Soma.

As comunidades vizinhas também participaram na comemoração e mostraram interesse em delimitar as suas comunidades, alcançando a protecção legal que o Título proporciona. A comunidade de San-Bushmen deverá ser uma das próximas a conseguir o reconhecimento das suas terras. 

3.2.14

Documentário da BBC sobre População mostra dificuldades enfrentadas por agricultores em Moçambique

Hans Rosling, guru da visualização de dados, apresenta este documentário (apenas disponível em inglês) sobre o crescimento da população mundial e sobre as diferenças abissais entre os estilos de vida dos ricos e dos pobres.

Uma das histórias retratadas no documentário, exibido pela BBC em Novembro de 2013, é a de uma família de agricultores moçambicanos e da sua luta para alcançar uma vida acima do limiar de pobreza. Rosling viveu em Moçambique e exerceu medicina neste país lusófono. Não perca este fascinante programa em que é usada uma nova e colorida tecnologia de visualização de dados.

O documentário está disponível em GapMinder.


20.12.13

A Governança da Terra na Prática: A Experiência do Programa TERRA em Angola


PROJECTO TERRA 

Apoio às instituições governamentais para a melhoria da gestão, da posse e administração de terras e dos recursos naturais, nas províncias do Huambo e Bié, Angola
(GCP/ANG/045/SPA)



aecid angola FAO


Introdução

A Governança deve ser a forma através da qual a sociedade faz a gestão do bem público e dos interesses individuais de cada membro de forma justa no que se refere tanto ao processo como aos resultados. A Governança dos recursos naturais deve, portanto, garantir que todas as funções dos recursos naturais sejam respeitadas e protegidas:
1) a função alimentar, garantindo a qualidade e a variedade dos produtos alimentares naturais,
2) a função económica, satisfazendo as necessidades de matérias-primas biológicas (madeira, fibras têxteis, etc), no sentido de acabar no futuro com a dependência da energia fóssil e com a produtividade do trabalho suficiente para permitir que os outros setores da economia possam crescer,
3) a função ecológica, protegendo e renovando os recursos naturais e os ecossistemas (terra, água, florestas e biodiversidade),
4) a função social, garantindo a dignidade dos modos de vida e o bem-estar das populações rurais e aqueles que vivem em outros ambientes (urbano, industrial, ...),
5) a função cultural, protegendo, desenvolvendo e transmitindo o saber-fazer no que se refere à agricultura e à gestão dos espaços naturais, bem como à cultura que faz parte deles.

A Governança refere-se à decisões que definem expectativas: uma mistura de expetativas tanto individuais como de toda a sociedade. As preocupações principais na hora de abordar uma "boa governança" devem ser: como as decisões são tomadas e por que, quem está a se beneficiar com elas e como essas decisões são finalmente implementadas... Na prática, isso é feito a partir de uma mistura de expectativas individuais que fazem parte de um cenário social/coletivo. A busca de equilíbrio entre os dois (individual – social/coletivo), e a atuação concreta ao longo desse caminho, é o que se entende como um processo que conduz à “boa governança”.

Embora esta palavra tenha entrado recentemente à la mode, há bastante tempo a FAO vem realizado várias experiências de campo neste sentido. Esta filosofia de processo baseado nas pessoas, nos seus direitos e na negociação entre atores, foi elaborada há mais de uma década atrás, e está sendo utilizado de forma prática e concreta em vários projectos implementados pelas divisões (FAO, 2005. Participatory and Negotiated Territorial Development (PNTD). http://www.fao.org/sd/dim_pe2/pe2_050402a1_en.htm) NRL, LEGN, ESW e NRC da FAO. A evolução recente do longo Programa TERRA da FAO em Angola apresentada neste artigo, deve ser vista como uma contribuição para a implementação das Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Posse da Terra, as Pescas e as Florestas no Contexto da Segurança Alimentar Nacional, que foram oficialmente aprovadas pelo Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS) no 11 de Maio de 2012.

A Governança em Prática

Reforçar a governança da posse e da gestão dos recursos naturais é um passo fundamental para se alcançar a segurança alimentar, o bem-estar das pessoas e o desenvolvimento econômico. No entanto, considerando só a dimensão da posse da terra, corre-se o risco de retratar uma imagem estática de uma situação muitas vezes dinâmica, deixando de fora as relações entre as pessoas e os recursos naturais em um mundo que é significativamente influenciado pelas pressões globais, relacionadas com às mudanças climáticas, às migrações humanas, à globalização econômica e política… Neste contexto, a gestão com base no território deve ser considerada, de modo a se promover uma melhor governança.

A gestão e utilização dos recursos naturais têm a ver com uma gama extremamente ampla de atividades práticas e atores envolvidos, em uma realidade em constante mudança, sendo muito difícil de retratar e formalizar. Abordagens de cima para baixo para a gestão e posse dos recursos naturais podem falhar no que se refere ao reconhecimento e proteção dessas formas de uso dos recursos naturais que são em muitos casos informais, mas essenciais para a segurança alimentar das pessoas mais vulneráveis.

Explorar o conceito da posse e da gestão da governança da terra em situações concretas de campo requer uma perspetiva diferente. Tendo em conta que estas são as atividades que mais influenciam e geram conseqüências sobre os meios de vida das populações rurais, o ponto de partida deve incidir sobre os atores que estão mais direitamente afetados: as populações rurais. As populações rurais dependem da gestão e uso dos recursos naturais para garantir a sua sobrevivência, segurança alimentar e geração de renda, que é produzida a partir da interação com os recursos naturais, convertendo-se esta interação nas suas tradições e valores culturais. Os atores locais são os mais adequados para garantir a proteção do meio ambiente a longo prazo.

Começar a discutir a governança com um foco nas pessoas implica, antes de tudo, reconhecer a sua diversidade e as assimetrias que existem entre elas: assimetrias de acesso aos processos de tomada de decisão, assimetrias nos processos de negociação… em poucas palavras: assimetrias nos processos de governança. As consequências evidentes dessas assimetrias são os desequilíbrios de poder que resultam em injustiças sociais, falta de desenvolvimento e conflitos. Em outras palavras, os desequilíbrios de poder entre os atores envolvidos na gestão da terra estão levando o mundo à situações de mais conflitos e pior governança.

O Programa TERRA em Angola

Em 1999, a pedido do Governo de Angola, o Serviço de Posse de Terra da FAO, iniciou uma série de actividades em estreita colaboração com a Direcção Nacional de Ordenamento do Território do Ministério da Agricultura (antigo DNDR). Essas atividades destinam-se a: (i) resolver conflitos de terra nos arredores de Luanda, e (ii) iniciar uma reflexão sobre questões de terra no país. Este foi um processo inicial de três anos que foi caraterizado e dificultado pela violência em curso no país.

Em 2002, quando a guerra terminou, o Governo de Angola iniciou junto da FAO um novo processo baseado no trabalho e reflexões feitas anteriormente, para a criação de um quadro jurídico para a gestão da terra e do ordenamento do território rural. Este quadro permitiu a fundação de um marco de desenvolvimento sócio-econômico na perspectiva da economia de mercado, considerando a crescente expansão urbana, os conflitos de terra em áreas urbanas e rurais e o regresso das pessoas deslocadas para suas terras após o final da guerra. A proposta para a atual Lei de Terras também foi discutida neste momento. O partido no poder (MPLA) e a sociedade civil organizaram sessões de discussão da nova lei de terras e, pela primeira vez na história de Angola, houve um projecto de lei, que foi colocado na internet para ser discutido publicamente como uma forma de envolver à sociedade civil no processo. A FAO acompanhou todo o processo através de apoios jurídicos e de um seminário de alto nível em outubro de 2003, onde foram apresentadas experiências concretas para a elaboração de políticas públicas. O seminário contou com a participação de membros de outros países, assim como de especialistas internacionais na matéria. Foi também nos anos 2003 e 2004, que a FAO apoiou organizações da sociedade civil em campanhas de sensibilização sobre a nova Lei de Terras, durante o processo de consulta pública. Em novembro de 2004 , após 6 meses de consultas, a nova Lei de Terras (n º 9/04 ) foi votada. Esta nova Lei introduziu o reconhecimento dos direitos consuetudinários das comunidades rurais em relação à terra.

Durante este período de pós-guerra, as famílias começaram a retornar aos seus locais de origem depois de 20 anos de exilio durante a guerra civil, embora ainda hoje muitos não tenham retornado. Os agricultores familiares reiniciaram suas atividades agrícolas, com escassos insumos e meios de produção, uma vez que a ameaça evidente de violência tinha diminuído. Em algumas áreas, os agricultores tiveram o apoio de algumas ONGs já existentes, mas a capacidade institucional era ainda muito limitada.

Em 2006, após uma série de atividades de campo, cujo objetivo foi a implementação e o teste da Lei de Terras no que se refere ao reconhecimento dos direitos históricos das comunidades rurais sobre a terra, e graças a vários debates e reuniões realizadas, foi possível demonstrar a importância de uma abordagem coerente para o desenvolvimento rural e agrícola, a ser implementado através de um serviço direto mais abrangente e de desenvolvimento de políticas.

Diante deste contexto, o objetivo geral da FAO foi apoiar às instituições de administração e gestão da terra a nível Provincial, inicialmente com experiências piloto em Huila e Bengo. Nos anos seguintes, essas atividades foram em seguida ampliadas para as Províncias de Huambo e Benguela.

Um Projecto TERRA de três anos (GCP/ANG/035/EC) foi então lançado, no final de 2006, visando a capacitação das instituições públicas encarregadas da gestão, uso e segurança dos direitos da terra. O projecto também respondeu a um componente de "Atualização do quadro legal" do Programa de Segurança Alimentar da UE, procurando articular o acesso à terra com a segurança alimentar. Este projecto foi fundamental para a implementação efectiva do quadro legal do acesso à terra o que, por sua vez, também contribuiu de foram concreta para o aumento do acesso à terra para as comunidades rurais e melhorou as condições de vida de vários grupos vulneráveis, incluindo uma comunidade indígena dos San (Mupenbati, província da Huíla), sendo este o primeiro grupo minoritário em Angola a receber um título de terra (Cenerini, C. 2008: Access to Legal Information and Institutions. Tales from Angola: San Land Rights in Huila Province - http://www.fao.org/Participation/Cenerini2008Angola.pdf).

O projecto também realizou as primeiras experiências piloto em inventário de recursos naturais, abordaram-se questões de gênero em relação à terra, e criou-se na Facudade de Ciências Agrárias de Huambo o Gabinete de Estudos para a Agricultura Camponesa – GEAC -, o único centro de estudos no país ligado a esta matéria. De fato, um dos principais pilares de apoio da FAO nestas questões baseou-se no princípio de que "o acesso seguro à terra e à água tem um papel muito importante na erradicação da pobreza, na redução da fome e na promoção do desenvolvimento econômica rural ", como foi afirmado durante a Conferência Internacional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR), organizada pela FAO em 2006, em Porto Alegre, Brasil.

Durante este percurso houve altos e baixo que são normais nestas situações. Houve Províncias onde o envolvimento das autoridades locais foi mais forte do que em outras, períodos em que “pessoas chave” dentro do governo foram “empurrando” a agenda ao nível central ou Provincial, momentos em que a comunidade de doadores teve um impacto maior sobre a agenda, momentos de resultados visíveis e muitos momentos de muito trabalho invisível e difícil.

No caso da província Hulia, várias condições fizeram o Programa TERRA muito visível em termos de resultados concretos: “pessoas chave” pró-ativas tanto em instituições governamentais como em organizações da sociedade civil, e uma rede relativamente solida de ONGs e OSCs contribuiramàs necessidades destas instituições de serem apoiadas na gestãode questões ligadas à governança da terra. Isto resultou em vários títulos emitidos, e muitos processos de emissão de título em preparação e/ou andamento. Isto também resultou em uma base sólida para uma abordagem inclusiva para a gestão dos recursos naturais. Um processo semelhante ocorreu também na província do Huambo, com um número importante de processos de delimitação de comunidades rurais realizados e a espera de homologação pelo Governo Provincial, e um primeiro título emitido em nome da comunidade Juila no final de 2008.

Ao final de 2009, estavam em andamento negociações para início de um projecto em seguimento e continuação ao projecto GCP035, de modo que não existisse interrupção entre um projecto e o outro. Todavia, por motivo diversos o novo projecto levou cerca de um ano após o término do anterior para iniciar. O apoio da FAO ao GoA em questões de terra continua até hoje nas províncias do Huambo e Bié (a região que tinha sido o foco da guerra civil), através de um projecto financiado pela Agência Espanhola de Cooperação (AECID). O mesmo teve prevista uma duração inicial de três anos, e iniciou em Janeiro de 2011. Em seguimento à algumas extensões, seu término está previsto para Abril 2014.

O Projecto Terra atual, financiado pela cooperação espanhola, tem um foco geográfico parcialmente diferente. A Província de Huíla não foi incluída, sendo as Províncias alvo Huambo e Bié (duas províncias vizinhas no Planalto Central de Angola). Este fato, obviamente, diminuiu o desempenho do programa no longo prazo, mas agora, depois de quatro anos sem apoio na província de Huíla, pequenos avanços estão acontecendo: outra comunidade Koi-San está a ser delimitada, uma campanha de divulgação da Lei de Terras está sendo realizado como parte do programa regular do Governo Provincial, e outros dois processos de reconhecimento de terras comunitárias estão sendo preparados para assinatura por parte do Governador Provincial.

Enquanto na província do Huambo as condições (pessoal treinado, protocolos de delimitação, etc) já estavam desenvolvidas, Bié foi uma área totalmente nova para questões de terra. A Província do Bié foi o coração da guerra, já que a UNITA teve seu bastião lá. Os efeitos da guerra ainda estão presentes a nível social, político, econômico e físico. Neste contexto, houve a necessidade de lançar um exercício de confiança e capacitação técnica e organizacional com instituições governamentais e não-governamentais. Na província, as ONGs e as OSCs são quase inexistentes: existem apenas algumas ONGs locais que trabalham como prestadores de serviços para algumas ONGs internacionais que encontraram dificuldades para trabalhar lado a lado com as instituições governamentais, devido à falta de capacidades, fracas capacidades de implementação e fraca comunicação e confiança entre os actores. Neste contexto de escasso reconhecimento de direitos e instituições governamentais e sociais fracas, o papel do recém-chegado Projecto Terra da FAO foi claro: posicionar a FAO como órgão de articulação entre as instituições governamentais e as poucas ONGs e OSCs.

No que se refere à criação das condições para melhorar o acesso e a segurança fundiária na Província do Bié, a estratégia foi implementada em quatro etapas:

1 . Formação do pessoal do Governo, das OSCs e ONGs sobre o quadro legal existente e a sua disseminação.
2 . Disseminação da Lei de Terras em comunidades rurais selecionadas.
3 . Formação dos técnicos das instituições governamentais e das OSCs e ONGs, sobre a Metodologia Participativa de Delimitação de Terras Comunitárias.
4 . Acompanhamento direto de dois processos de delimitação até a emissão dos correspondentes títulos. Os dois títulos (comunidades Katapi e Elumbi ) foram emitidos e assinados pelo governador em Novembro de 2013.


A Governança da terra na prática: Um exercício que requer tempo
Desde os primeiros títulos emitidos pelo Governo de Angola, em nome da comunidade Tchikala, província da Huíla (2001), seguido do primeiro título emitido em nome de uma comunidade Koi-San, também na província de Huila (2007), seguido pelo primeiro título emitido na província do Huambo, comunidade Juila (2008) e finalmente, os dois primeiros títulos emitidos recentemente na província do Bié (2013), passaram 12 anos. No primeiro, o país ainda estava sob a guerra civil, enquanto hoje Angola projeta-se para o futuro com uma das maiores taxas de crescimento entre os países africanos. No início, as ONGs e OSCs estavam extremamente relutantes em se envolver em quaisquer relações de trabalho com as instituições do Estado. As unidades de administração e gestão da terra estavam em condições muito precárias (até então nem sequer existiam em muitas Províncias) no início, mas agora os recursos humanos, as condições físicas e os salários melhoraram. O clima de desconfiança que existia foi reduzido, e a vontade de avançar juntos é mais real em várias províncias.

Os títulos de terra das comunidades são o ponto de referência inicial de um processo que visa obter representantes escolhidos pela comunidade para participar de uma forma mais sistemática nos exercícios de planeamento do uso da terra. Novamente, isso significa fortalecer não só a capacidade técnica dentro e fora das instituições do governo ao nível central e Provincial, mas também continuar a promover um diálogo inclusivo entre os diferentes parceiros, incluindo o setor privado. Isto é essencialmente um exercício de construção de confiança entre as diferentes partes interessadas em um determinado território. O objetivo é criar confiança entre os atores, e favorecer que as diferentes opiniões sejam respeitadas e tidas em conta para o bem-estar comum, juntamente com uma disponibilização de assistência técnica, onde FAO desempenha o papel de facilitador (FAO La facilitation pour la gouvernance territoriale, Rome 2013 - http://www.fao.org/docrep/018/mi008f/mi008f.pdf).

Estamos na fase final do Projecto TERRA atual, e as discussões sobre o futuro estão em curso. Anos de assistências técnicas têm permitido a introdução de diferentes questões no debate nacional. O objetivo é dar um passo a frente, considerando não apenas a governança da terra como uma ferramenta para proteger a Terra e os Recursos Naturais, mas como é o caso em Angola, continuar garantindo o acesso à terra pelos mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, é crucial apoiar as comunidades no sentido de que estas desenvolvam as suas terras do ponto de vista sócio-economico. Neste sentido, é evidente a importância crítica do setor da agricultura familiar como forma única de alcançar a segurança alimentar em todo o país, e democratizar o crescimento econômico dada a ausência de um quadro jurídico e político dedicado, tal como existe em outros países. Com base nos estudos iniciais (http://www.fao.org/nr/land/projects-programmes/terra/en/) e conferências produzidos pelo atual Projecto Terra, a Agricultura Familiar é outra área de "governança" que terá de ser abordada, especialmente considerando-se que o Ano Internacional da Agricultura Familiar será celebrado em 2014.


Autores:
Txaran Basterretxea, Consultor FAO GCP/ANG/045/SPA
Paolo Groppo, Oficial do Desenvolvimento Territorial, NRL

Os autores querem agradecer também ao Senhor Francisco Carranza, Consultor da FAO GCP/ANG/045/SPA, Marianna Bicchieri, Assessora Técnica da FAO, ao Senhor Jordan Treakle, Consultor da FAO e a Senhora Ms. Margherita Brunori, Estagiária.

30.7.12

FAO inaugura escritório em Lisboa para combater pobreza e fome

O acto de abertura do escritório da FAO junto do Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa vai realizar-se na próxima segunda-feira, em Lisboa, anunciou hoje a CPLP.

A cerimónia será co-presidida pelo secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em exercício, Domingos Simões Pereira, e pelo director-geral da Organização da ONU para a Agricultura e a Alimentação (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, refere um comunicado da CPLP.

“A decisão de acolher o Escritório da FAO em Portugal junto do Secretariado Executivo da CPLP foi adoptada pela VII Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP, em 6 de Fevereiro de 2012, e tem como objectivo dar cumprimento às linhas orientadoras do acordo assinado entre Portugal e a FAO, alargando o âmbito e missão deste Escritório aos demais países da CPLP, bem como ajudando a fortalecer a cooperação entre a CPLP e a FAO, no quadro do desenvolvimento da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP (ESAN-CPLP), e promovendo a coordenação e coerência das intervenções das duas organizações”, precisa o comunicado.

A pobreza e a fome afectam 28 milhões de pessoas nos países lusófonos, indica uma declaração aprovada no dia 20 deste mês, em Maputo, na cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP.

No texto reafirma-se “o compromisso com o reforço do direito humano à alimentação adequada nas políticas nacionais e comunitária, reconhecendo o seu papel na erradicação da fome e da pobreza na CPLP”.

A IX conferência de chefes de estado e de governo da CPLP foi subordinada ao tema “A CPLP e os Desafios de Segurança Alimentar e Nutricional”.

Durante o encontro, o director-geral da FAO, José Graziano da Silva, considerou que o investimento da organização nos estados-membros da CPLP é insuficiente para responder aos desafios de combate à fome e segurança alimentar nos países lusófonos.

“Hoje, a FAO executa projectos na ordem dos 200 milhões de dólares (163 milhões de euros ao câmbio actual) nos países da CPLP. À primeira vista pode parecer uma cifra alta, mas representa menos de um dólar por cada um dos 250 milhões de habitantes dessa comunidade”, disse o responsável brasileiro da FAO.

Ao referir-se à abertura de um escritório da FAO junto da CPLP, Graziano da Silva sublinhou que a iniciativa vai reforçar a acção da organização junto do bloco dos países lusófonos.

Além do escritório da FAO que vai funcionar junto do seu Secretariado Executivo, a CPLP pretende obter o estatuto de observador junto do Comité Mundial de Segurança Alimentar, organismo que integra a FAO.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês) tem como objectivo aumentar a capacidade da comunidade internacional para promover em todo o mundo o suporte para a segurança alimentar e a nutrição.

A FAO foi fundada a 16 de Outubro de 1945, em Quebeque, no Canadá, e em 1951 a sua sede foi transferida para Roma, na Itália.

Fonte: Agência Lusa

18.6.10

Armanda Gomes: “Se a mulher não está no lugar de decisão continua pobre”

Entrevista com Armanda Gomes, presidente da Associação de Desenvolvimento Integrado de Rui Vaz (interior de Santiago)

Destaques:
  • Presidente da ADIRV defende quotas para mulheres nos órgãos comunitários de decisão
  • Associações devem procurar auto-financiamento e resistir à subsídio-dependência
Neste atelier (Maio de 2010, na cidade da Praia) temos feito vários exercícios que demonstram como se geram as desigualdades de gênero. Achou estes exercícios interessantes?
Há um que me marcou, o do caso da mulher com posse de terra e distribuição de água. Se reparou bem nos exercícios mostra-se que as famílias cabo-verdianas são chefiadas por mulheres chefes de família, mas na hora em que se planifica com aquele mapa de estratégia há algumas áreas em que a mulher fica longe da decisão.

Isso acontece na vossa região?
Por acaso, não. Mas, em quase toda a parte, é assim que a mulher está. Temos que destacar que nas terras de sequeiro são apenas as mulheres que fazem a agricultura, enquanto no regadio, que é onde dá dinheiro, são os homens que produzem.

E porque é que é assim?
Acredito que é por causa da cultura, mas também acredito que temos que ser mais dinâmicas. Quando falo em dinâmica, quero dizer ter quotas. Quem é que dá quotas à mulher?

Porque é que as mulheres aceitam isso, porque não são mais dinâmicas?
Eu acredito que muitas coisas já mudaram, temos que ser realistas. Mas, para mim, tem que mudar muito mais. As mulheres devem ocupar mais lugares de destaque, devem ter mais estudos e mais posição. Temos grandes mulheres, grandes exemplos, e penso que as mais velhas devem incentivar e apoiar as mulheres jovens porque muitas têm capacidade de chegar a algum lugar. O meu conselho é que vão para lugares chave, porque todas as mulheres saem a ganhar se houver mulheres em lugares de decisão. Se não estamos em lugares de decisão, onde a nossa voz é ouvida, continuamos pobres. É preciso estar no centro de decisão, mas também saber ouvir e dar opinião.
Quando estamos numa sala em reunião, encontramos muitos tipos de mulheres naquelas camadas mais pobres. Muitas têm dificuldade de falar até mesmo sobre aquilo que sentem. Assim não vamos a lugar nenhum. Temos que expressar o que sentimos para que entendam onde queremos chegar.

Em Rui Vaz, as mulheres não têm problemas em se expressar?
Não há tanta desigualdade, e acho que é porque as mulheres estão lá a representar a associação. São cem mulheres e 71 homens na associação, nós estamos na maioria. Foi necessária muita formação e um conjunto de investimentos para chegarmos até este ponto. Por exemplo, a Armanda de ontem não é a Armanda de hoje. A formação é para se pôr na prática, mas primeiro ajuda-nos a deixar de ser tímidas, a perder o medo. Começamos a afirmar-nos e a defender a comunidade. A defendê-la da maneira que se sente que é preciso defender.
Aqui no atelier reparei, através dos exercícios, que a mulher é que carrega mais a água e que usa mais a água, mas no mapa que fizemos, ficou a notar-se que o homem é que toma a decisão sobre a água. Penso que devemos equilibrar: se somos nós que temos mais necessidade de água, somos nós que temos que decidir onde o furo fica e como é distribuído.

Têm algum problema com distribuição de água ou posse de terra em Rui Vaz? Faça-me um retrato da zona, em termos de recursos hídricos e fundiários.Não temos problemas com água desde que abrimos um furo. Quanto à terra é quase tudo de privados e não há propriedade de regadio. Normalmente, o privado faz o que quer da sua terra e tem rendeiros para trabalhar, mas penso que estamos a demorar a mudar. É preciso rentabilizar os rendeiros, em vez de semear milho e feijão deviam passar para a horticultura, que rende mais. Mas é bom que fique claro que temos mulheres que são chefes de família e não têm terra.
Outra parte importante de Rui Vaz é o perímetro florestal de Curralinho, que é uma área reservada, é um patrimônio. Ali está definido o que é posse de terra e água e o que podemos fazer ou não.

O perímetro é usado pela comunidade?
Não, é conservado como floresta. Antes havia a tentação de o usar para a agricultura, mas se o fizéssemos não teríamos floresta. Temos que ser claros, a comunidade tem muito a ganhar com o Curralinho. Por exemplo, vendemos lenha retirada de lá e o fundo reverte para a comunidade de Rui Vaz e é uma atracção para os turistas da montanha. Para mim, tudo no deve ser preservado.

A comunidade apoia na preservação da floresta, por exemplo com trilhas e guias?
Já formamos alguns guias. Fizemos uma ampliação do perímetro, para incluir a categoria de parque florestal no Curralinho. Construímos a fábrica de queijo para as mulheres chefes de família, mas agricultura não. Temos um plano para trabalhar no perímetro, ninguém tira um pau sem pedir à associação.

Isso foi feito em parceria com o Governo?
Fizemos os planos com o MADRRM. E agora vamos desenhar um plano especifico para aquela área, por exemplo, para usar o eucalipto para o artesanato, um mapa das plantas endêmicas, ervas, animais.

É muito difícil, hoje em dia, para uma associação local fazer projectos e obter financiamentos?Toda a associação que trabalha para o desenvolvimento tem sempre alguma dificuldade. Antes os projectos eram dados a fundo perdido e agora não. Agora sou eu, como associação de base, que faço o projecto. Mas isto coloca-nos muitos entraves. Se se tratar de um projecto com um orçamento de dez mil contos para cima, temos que ter um técnico especializado na matéria, e isso começa a complicar a vida da associação. Se alguém de fora nos chama por causa do projecto e fala francês ou inglês complica a vida ao presidente da associação comunitária. Se é preciso alguém que fale inglês para escrever um projecto tem que se pagar um custo alto.
Para concorrer a projectos a nível internacional, a exigência é grande. Na hora que começamos a sair de base é preciso uma estrutura e já há outra responsabilidade.

A ADIRV tem dois projectos internacionais, certo?
Sim, da União Europeia. Os dois financiamentos são para a fábrica de queijo, que já está concluída. É como um bebé que está a nascer. Estamos a concorrer ao segundo projecto, de 30 mil contos, para pôr a fabrica a funcionar, e fazer o bébe a caminhar. Isto faz-nos também pensar na responsabilidade da associação, na sua estrutura, e em que tipo de associação queremos nos tornar. Não vejo a associação depender sempre de alguém para nos dar e dar. Vejo-a a criar um fundo para que numa hora em que seja preciso não tenhamos que depender dos outros, nem de nenhum apoio.