O Estado nos países africanos tende a perder protagonismo, porque não consegue corresponder aos anseios dos cidadãos, e é substituído por outros actores nas comunidades rurais, pela igreja, ONG, autoridades locais ou mesmo organizações sócio-profissionais. Esta tese é perfilhada num trabalho de investigação coordenado pelo antropólogo Fernando Florêncio, da Universidade de Coimbra, que, desde 2005, está a ser desenvolvido em regiões de Angola, Moçambique, Etiópia e Gana.
"A população olha para o Estado com desconfiança, porque não tem capacidade para levar a cabo as funções primárias exigidas. Não é um actor que seja legítimo para as populações, porque não é relevante a trazer benefícios, que tem sido da responsabilidade de actores laterais", referiu.
Para esse estado de coisas - acrescentou - também contribuiu a "etnização" e a "regionalização" dos regimes africanos pós coloniais, com a emergência de uma certa etnia no poder, ou a aposta numa determinada região.
Fernando Florêncio, investigador chefe de uma equipa que engloba também um investigador moçambicano e outro angolano, diz que são esses actores não estatais que trazem benefícios para as populações, e que acabam por ser mais importantes junto das comunidades rurais.
Entre esses "actores laterais" o investigador destaca as autoridades tradicionais, as Organizações Não Governamentais (ONG's), normalmente estrangeiras, a igreja, organizações de camponeses, socioprofissionais, ou de mulheres.
"É algo de muito complexo e que não é estanque", observou o antropólogo Fernando Florêncio, salientando que por vezes cada actor aparece em diversas funções, da igreja, em ONG's, ou como professor, ou que há concorrência de protagonismo entre si. Por outro lado - acrescenta - esses actores locais que substituem o Estado acabam por "transmitir a mensagem que lhes é mais conveniente", e por essa via "assumem um enorme poder, tendo a capacidade para travar ou acelerar o desenvolvimento das zonas rurais".
De acordo com uma nota de imprensa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, a investigação, que termina no final do corrente ano, visa "conhecer e avaliar como determinados actores políticos tradicionais interferem na política do Estado considerando o facto de a maioria da população destes países viver em zonas rurais". "A grande contribuição deste estudo é a obtenção de dados empíricos sobre comunidades rurais africanas escassamente estudadas", refere o investigador, realçando que esses actores laterais acabam por ter "um papel decisivo na construção do Estado e na sua legitimidade junto das populações".
Com "Dinâmicas Sociais na Estruturação dos Espaços Políticos e Contextos Rurais Africanos", os investigadores pretenderam estudar quatro países que após a independência adoptaram regimes marxistas-leninistas, embora esta particularidade "não sirva de termo de comparação", porque cada um o levou à prática de forma diversa, concluiu.
Fonte: Lusa
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