A "nacionalização" agrícola, processo político do pós-independência que conduziu à nacionalização e distribuição das terras pela população, está na origem da maioria dos problemas actuais no sector fundiário de São Tomé e Princípe.
Em entrevista, Argentino dos Santos, director de Planeamento e Estudos do Ministério da Economia são-tomense, que engloba os sectores da agricultura e desenvolvimento rural, explica que a reforma do sector agrícola, que se iniciou em 1975, acabou por provocar alguns conflitos de delimitação das terras e no seu registo. O Governo está a procurar soluções e acredita que parte do apoio pode chegar da cooperação que se fortalece entre a FAO e a CPLP no domínio fundiário.
Quais são os principais problemas de São Tomé e Princípe no domínio fundiário?
O nosso processo de reforma do sector fundiário começou a ser feito a partir de 1975. À data da independência, quase toda a terra pertencia aos colonos e às grandes empresas agrícolas, mas, em 1975, e, por altura da independência, essas terras foram nacionalizadas, o que englobou sobretudo as grandes empresas que eram produtoras de cacau.
Mais de 93 por cento das terras passaram para a posse do Estado. Posteriormente, foram constituídas grandes empresas agrícolas geridas directamente pelo Estado, embora uma parte de parcelas privadas ficassem com cidadãos nacionais e tenham passado por herança na família.
Com a evolução de todo esse processo, tivemos que introduzir uma série de alterações e, em 1990, sobretudo devido a problemas económicos, tivemos que fazer o que chamamos de uma privatição agrícola. No âmbito do afastamento do Estado da gestão das unidades produtivas, entregou-se as terras. Foi um processo de gestão com apoio do Banco Mundial que levou à distribuição das terras pelos agricultores e não só.
Ora, aqui começa o grande problema, as pessoas receberam terras mas faltou toda uma série de apoios técnicos para o acompanhamento.
Apoios técnicos para produzir?
Para produzir e não só. Ao nível do Ministério da Agricultura, havia uma equipa que fazia a gestão fundiária, tínhamos um serviço de cadastro, os agrimensores, que faziam o levantamento.
Um dos problemas que começou por surgir é que as cartas que utilizamos são de 1875, são antigas. Entretanto, houve uma série de alterações: há estradas que não existem, há novas estradas, os percursos estão alterados. Temos necessidade de fazer um novo levantamento.
Depois, temos a questão de terem sido distribuídas pequenas parcelas de terras, mas não se ter terminado os processos como deve de ser, em termos de cadastro. O Serviço Nacional de Cadastro não tem as informações sobre a delimitação de muitas terras e há a necessidade de fazer a digitalização de todos esses dados.
Há muitos conflitos?
Há pequenos conflitos de delimitação. Temos, sobretudo, necessidade de actualizar tanto o cadastro rural como o cadastro verbal.
Outra questão é o registo. Em 1975, quando foi feita a nacionalização, um acto político, o Estado não registou as terras em seu nome. Neste momento, os beneficiários da terra têm dificuldade em fazer o registo, porque deveria ter sido o Estado a fazê-lo primeiro.
A matriz cadastral está desactualizada, as pessoas adquiriram a terra por usufruto mas grande parte delas não pode fazer hoje o registo. Assim, os agricultores que foram beneficiados com terras precisam, por exemplo, do registo para poderem recorrer ao crédito. Mas como o banco precisa do registo como garantia, os agricultores não o tendo, enfrentam muitas dificuldades.
E as mulheres, podem aceder à terra?
Sim. A divisão da terra foi feita por família, e não havia distinção entre homem ou mulher. Temos muitas famílias em que o chefe é a mulher, logo elas estão em pé de igualdade.
É verdade que quando há uma família composta por pai, mãe, etc, normalmente é o pai o chefe da família, mas muitas mulheres não sendo elas as chefes de família têm o acesso à terra.
O acesso à terra é para todos, pode ser nacional ou não-nacional. Temos uma grande quantidade de cabo-verdianos que residem em São Tomé e que tiveram acesso à terra, já que basta serem trabalhadores. Não há discriminação.
Os imigrantes cabo-verdianos que trabalharam nas roças em São Tomé e Princípe, segundo consta, vivem hoje em dia numa situação difícil. É verdade? O que tem sido feito para os acompanhar?
Os problemas que têm os cabo-verdianos em São Tomé são idênticos aos que tem um são-tomense. Não existe um programa específico para cabo-verdianos ou nacionais.
Quando fizemos a redistribuição das terras interessava-nos que fossem os trabalhadores agrícolas a ficar com a terra e a maioria dos cabo-verdianos eram trabalhadores agrícolas. Por isso, muitas famílias cabo-verdianas (e aqui já temos uma segunda, terceira geração) até receberam melhores terras porque no sistema de classificação da terra recebia uma parcela, em primeiro lugar, o trabalhador agrícola. Alguns são-tomenses receberam as terras marginais ou nem receberam.
Faltou uma política de acompanhamento e de apoio, mas toda a gente tem esse problema, seja de São Tomé ou de Cabo Verde. O que pode acontecer é que as famílias cabo-verdianas como partiram no regime de contrato e viviam nas roças, tinham uma situação um pouco mais difícil, mas isso vai sendo resolvido.
A insularidade condiciona em grande medida a seguranç alimentar e o sector fundiário?
Sim, tem influência e a própria dimensão do país, é um país pequeno. Neste momento, estamos com um grande problema que é o abate indiscriminado de árvores, outras das consequências dessa distribuição de terras que foi feita. As pessoas receberam a terra mas como não têm meios, estão a destruir as árvores. O nosso modelo de construção é baseado na madeira, que se usa para tudo, para fazer as casas, para fazer carvão.
Apesar do abate de árvores bastante acentuado, não temos até aqui problemas de desertificação enquanto tal. Chove muito, mas este abate descontrolado de árvores pode vir a criar um grande problema.
Quais são as principais culturas do país?
Durante muitos séculos, vivemos com a monocultura. Primeiro foi a cana de açucar, depois café e agora dizemos que estamos a terminar um ciclo de plantação de cacau. Actualmente, temos uma política de diversificação cultural: o cacau é a principal fonte de divisas, mas há uma política de introdução do café, da pimenta, há um programa para a baunilha com geração de renda. São estas as culturas perenes.
Com tantas dificuldades para ultrapassar, imagino que esta colaboração com os restantes países da CPLP e a FAO seja proveitosa para São Tomé?
Temos áreas de interesse comum, principalmente para a formação. Não tivemos ainda muitos encontros mas o que é importante é o resultado final.
Gostaríamos de poder também participar no projecto de género. Temos, a nível nacional, um instituto para a equidade de género e gostaríamos de ser também contemplados.
Em entrevista, Argentino dos Santos, director de Planeamento e Estudos do Ministério da Economia são-tomense, que engloba os sectores da agricultura e desenvolvimento rural, explica que a reforma do sector agrícola, que se iniciou em 1975, acabou por provocar alguns conflitos de delimitação das terras e no seu registo. O Governo está a procurar soluções e acredita que parte do apoio pode chegar da cooperação que se fortalece entre a FAO e a CPLP no domínio fundiário.
Quais são os principais problemas de São Tomé e Princípe no domínio fundiário?
O nosso processo de reforma do sector fundiário começou a ser feito a partir de 1975. À data da independência, quase toda a terra pertencia aos colonos e às grandes empresas agrícolas, mas, em 1975, e, por altura da independência, essas terras foram nacionalizadas, o que englobou sobretudo as grandes empresas que eram produtoras de cacau.
Mais de 93 por cento das terras passaram para a posse do Estado. Posteriormente, foram constituídas grandes empresas agrícolas geridas directamente pelo Estado, embora uma parte de parcelas privadas ficassem com cidadãos nacionais e tenham passado por herança na família.
Com a evolução de todo esse processo, tivemos que introduzir uma série de alterações e, em 1990, sobretudo devido a problemas económicos, tivemos que fazer o que chamamos de uma privatição agrícola. No âmbito do afastamento do Estado da gestão das unidades produtivas, entregou-se as terras. Foi um processo de gestão com apoio do Banco Mundial que levou à distribuição das terras pelos agricultores e não só.
Ora, aqui começa o grande problema, as pessoas receberam terras mas faltou toda uma série de apoios técnicos para o acompanhamento.
Apoios técnicos para produzir?
Para produzir e não só. Ao nível do Ministério da Agricultura, havia uma equipa que fazia a gestão fundiária, tínhamos um serviço de cadastro, os agrimensores, que faziam o levantamento.
Um dos problemas que começou por surgir é que as cartas que utilizamos são de 1875, são antigas. Entretanto, houve uma série de alterações: há estradas que não existem, há novas estradas, os percursos estão alterados. Temos necessidade de fazer um novo levantamento.
Depois, temos a questão de terem sido distribuídas pequenas parcelas de terras, mas não se ter terminado os processos como deve de ser, em termos de cadastro. O Serviço Nacional de Cadastro não tem as informações sobre a delimitação de muitas terras e há a necessidade de fazer a digitalização de todos esses dados.
Há muitos conflitos?
Há pequenos conflitos de delimitação. Temos, sobretudo, necessidade de actualizar tanto o cadastro rural como o cadastro verbal.
Outra questão é o registo. Em 1975, quando foi feita a nacionalização, um acto político, o Estado não registou as terras em seu nome. Neste momento, os beneficiários da terra têm dificuldade em fazer o registo, porque deveria ter sido o Estado a fazê-lo primeiro.
A matriz cadastral está desactualizada, as pessoas adquiriram a terra por usufruto mas grande parte delas não pode fazer hoje o registo. Assim, os agricultores que foram beneficiados com terras precisam, por exemplo, do registo para poderem recorrer ao crédito. Mas como o banco precisa do registo como garantia, os agricultores não o tendo, enfrentam muitas dificuldades.
E as mulheres, podem aceder à terra?
Sim. A divisão da terra foi feita por família, e não havia distinção entre homem ou mulher. Temos muitas famílias em que o chefe é a mulher, logo elas estão em pé de igualdade.
É verdade que quando há uma família composta por pai, mãe, etc, normalmente é o pai o chefe da família, mas muitas mulheres não sendo elas as chefes de família têm o acesso à terra.
O acesso à terra é para todos, pode ser nacional ou não-nacional. Temos uma grande quantidade de cabo-verdianos que residem em São Tomé e que tiveram acesso à terra, já que basta serem trabalhadores. Não há discriminação.
Os imigrantes cabo-verdianos que trabalharam nas roças em São Tomé e Princípe, segundo consta, vivem hoje em dia numa situação difícil. É verdade? O que tem sido feito para os acompanhar?
Os problemas que têm os cabo-verdianos em São Tomé são idênticos aos que tem um são-tomense. Não existe um programa específico para cabo-verdianos ou nacionais.
Quando fizemos a redistribuição das terras interessava-nos que fossem os trabalhadores agrícolas a ficar com a terra e a maioria dos cabo-verdianos eram trabalhadores agrícolas. Por isso, muitas famílias cabo-verdianas (e aqui já temos uma segunda, terceira geração) até receberam melhores terras porque no sistema de classificação da terra recebia uma parcela, em primeiro lugar, o trabalhador agrícola. Alguns são-tomenses receberam as terras marginais ou nem receberam.
Faltou uma política de acompanhamento e de apoio, mas toda a gente tem esse problema, seja de São Tomé ou de Cabo Verde. O que pode acontecer é que as famílias cabo-verdianas como partiram no regime de contrato e viviam nas roças, tinham uma situação um pouco mais difícil, mas isso vai sendo resolvido.
A insularidade condiciona em grande medida a seguranç alimentar e o sector fundiário?
Sim, tem influência e a própria dimensão do país, é um país pequeno. Neste momento, estamos com um grande problema que é o abate indiscriminado de árvores, outras das consequências dessa distribuição de terras que foi feita. As pessoas receberam a terra mas como não têm meios, estão a destruir as árvores. O nosso modelo de construção é baseado na madeira, que se usa para tudo, para fazer as casas, para fazer carvão.
Apesar do abate de árvores bastante acentuado, não temos até aqui problemas de desertificação enquanto tal. Chove muito, mas este abate descontrolado de árvores pode vir a criar um grande problema.
Quais são as principais culturas do país?
Durante muitos séculos, vivemos com a monocultura. Primeiro foi a cana de açucar, depois café e agora dizemos que estamos a terminar um ciclo de plantação de cacau. Actualmente, temos uma política de diversificação cultural: o cacau é a principal fonte de divisas, mas há uma política de introdução do café, da pimenta, há um programa para a baunilha com geração de renda. São estas as culturas perenes.
Com tantas dificuldades para ultrapassar, imagino que esta colaboração com os restantes países da CPLP e a FAO seja proveitosa para São Tomé?
Temos áreas de interesse comum, principalmente para a formação. Não tivemos ainda muitos encontros mas o que é importante é o resultado final.
Gostaríamos de poder também participar no projecto de género. Temos, a nível nacional, um instituto para a equidade de género e gostaríamos de ser também contemplados.
1 comentário:
Ola Rita,
E sempre bom ter noticias e ir vendo as novidades no blog... mesmo quando se
esta longe. Estou no Brasil onde fiz uma viagem fantastica na Amazonia,
regresso para asemana a Portugal e entrarei em contacto.
Beijos e abracos,
Vanda Narciso
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