20.9.07

“Primeiro programa regional pode reforçar laços entre FAO e mundo lusófono”

Entrevista conjunta de Arlindo Bragança e Paolo Groppo



O representante da FAO-Cabo Verde, Arlindo Bragança, e Paolo Groppo, do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da FAO, falam, numa entrevista conjunta, de como o primeiro programa de cooperação entre o secretariado-executivo da CPLP e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura se poderá processar, após a sua validação. Para os dois responsáveis, este é um importante passo para reforçar os laços com o mundo lusófono, cujos países têm muitas diferenças, mas revelam também pontos em comum que justificam uma estratégia global no domínio fundiário.

Este é o primeiro programa de cooperação entre a FAO e o secretariado-executivo da CPLP, embora a FAO já esteja presente em todos os países lusófonos desenvolvendo vários projectos. Para a FAO que significado tem esta parceria?

Esta parceria reveste-se de uma importância particular para a FAO, precisamente por se tratar do primeiro programa de cooperação entre as duas instituições. Esse projecto, assinado por ocasião da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR) em Porto Alegre, é, de facto, o primeiro da FAO e da CPLP, e revela uma firme vontade por parte da nossa organização de reforçar os laços de cooperação com esta instituição. Mais ainda, o facto de ter começado a partir de um tema emergente – a questão fundiária –, um tema que volta à agenda da maioria dos países, tanto do norte como do sul. Isto indica claramente que se trata de uma forte
vontade de colaboração, e que a FAO espera, por parte do Secretariado Executivo, que depois da finalização desse projecto, que permitiu a formulação de um programa regional de capacitação, seja possível conseguir os recursos financeiros para a sua implementação.

O domínio fundiário é bastante complexo e envolve inúmeras instituições e sectores ao nível de cada país. Em que sentido a FAO pode contribuir para que haja um consenso entre os oitos Estados-membros? Qual será o seu papel, em concreto, neste projecto?

A FAO tem uma presença na maioria desses países, em matéria fundiária – uma presença de mais de dez anos em alguns desses países (Moçambique, Brasil). Trata-se de uma experiência importante que serviu para assentar as bases de uma confiança à volta de um tema, da forma como lidar com um tema que é, pela sua natureza, politicamente delicado, economicamente relevante e socialmente fundamental para a estabilidade dos países. Por esta razão, o papel que a FAO pretende desempenhar nesse tema é, por um lado, a disposição, pela experiência adquirida nesses anos, de ser um interlocutor objectivo e não de parte, e, por outro, posicionar-se como um facilitador de diálogo entre as várias instâncias (pública e privada) que, hoje em dia, estão competindo por um recurso, a terra, cada dia mais limitado.

Pela sua experiência e considerando os contactos que tem mantido com os Estados-membros, quais considera serem as maiores fraquezas e os pontos fortes do sector fundiário a nível da CPLP?

Apesar das diferenças existentes em cada país, há alguns pontos comuns que justificam um programa dessa natureza. As instituições públicas, no conjunto dos países, são fracas. Durante anos, ao nível internacional foi dito que os governos deviam ser reduzidos e devia-se deixar os mercados resolver os problemas, inclusive no sector fundiário.

Hoje em dia, felizmente, (nesse sentido também a Conferência Rural sobre a Reforma Agrária e o Desenvolvimento Rural desempenhou um papel importante) voltamos atrás, recordando que os próprios governos dos países têm uma responsabilidade-chave nesses temas e, por isto, é fundamental reforçar as suas instituições. Sejam as instituições do cadastro, do registo, como as instituições responsáveis pelo ordenamento do território e, de maneira mais particular, pela dimensão género. Todas elas sofrem com parcos meios, recursos humanos limitados e uma ausência de material de capacitação nesses temas escritos a partir das suas realidades e voltadas para um público lusófono.

Também temos um quadro legislativo ainda incompleto e, em alguns casos, com certa confusão, no que diz respeito às terras, florestas, etc. Isto explica porque razão, em vários desses países, a FAO já foi solicitada para apoiar as revisões dos quadros legislativos. Nesse tema, é bom lembrar que, no próximo mês, vão ser celebrados os 10 anos da promulgação da Lei de Terra em Moçambique, um exemplo de como um apoio da FAO, com outros actores, da sociedade civil, Universidade e, “en primis”, do Governo, deu um resultado que, até hoje, é considerado como um grande sucesso no continente africano.

Por último, parece-me importante lembrar como o aporte da FAO nesses aspectos tem também a ver com um esforço de concertação e de visão holística, para reforçar instituições não somente na componente técnica mas também para conceber uma maior integração e, nesse quadro, abrir portas de colaboração com o sector não governamental e também com o sector privado.

Que medidas a FAO pensa tomar para captar meios financeiros ou outros para as fases seguintes deste projecto de reforço da segurança fundiária na CPLP?

A pergunta permite lembrar que a FAO é uma instituição de assistência técnica e, nesse sentido, o seu papel é de ajudar a preparar o programa e colocar as suas capacidades técnicas à disposição dos países, para sua futura implementação. Os recursos financeiros deveriam chegar a partir de um diálogo estruturante com os doadores, nos países a nível internacional, mas considerando também que existem países da CPLP que, pela sua natureza, têm condições e, provavelmente vontade de colocar à disposição meios para fazer funcionar o programa: referimo-nos a Portugal e ao Brasil.

Na sua opinião, o reforço das capacidades institucionais no domínio fundiário em cada um dos Oito vai fortalecer que sectores? Que impacto terá ainda para a FAO, e para o fortalecimento das suas relações com os países de língua portuguesa?

Temos a certeza que instituições melhor capacitadas, tanto aos níveis centrais como locais, com capacidade para produzir documentos (títulos, mapas) precisos sobre a posse/propriedade de terra, nas áreas rurais, periurbanas e urbanas, vai permitir criar condições mais certas para qualquer empreendimento de desenvolvimento, contribuindo, de facto, para atrair investimentos, tanto no campo como nas cidades. Também não esquecemos que existe uma relação directa entre a segurança da posse de terra e a segurança alimentar, o que significa que, com melhores condições ao nível da administração e da gestão dos recursos naturais, é possível pensar que será mais fácil lutar contra a fome e a favor dos Objectivos do Milénio. Dentro da FAO, sendo o primeiro programa regional que está sendo proposto em matéria fundiária, é evidente que as lições que vamos tirar dessa experiência vão servir, de maneira geral, para outros programas dessa natureza em outros países, mas também para aumentar esses esforços incipientes, visando o reforço dos laços entre a FAO e o mundo lusófono, como enfatizou o Director Geral da nossa organização em Lisboa, neste mês de Setembro de 2007.

Cabo Verde acolhe o atelier e é formalmente o gestor do projecto. Como vê o papel, neste processo, do arquipélago, um país africano pequeno mas muito premiado pela sua boa governação?

De certa forma, a natureza dos problemas fundiários que Cabo Verde enfrenta, na parte legislativa, das instituições, do uso competitivo entre reserva ambiental (e nesse sentido elemento chave para uma visão de desenvolvimento sustentável) o de uso mais comercial (hoteleira), confirma a urgência de tratar o tema e que não é possível continuar a fazer como se esse problema não existisse. Por ser um país pequeno, de facto vai poder ajudar na articulação geral desse programa, e ninguém vai ver o esforço do governo cabo-verdiano como uma vontade de "prima donna", mas, pelo contrário,como uma contribuição interessante que esse país pode colocar à disposição dos demais países.

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