- Nova Lei de Terras facilita diálogo entre as comunidades rurais e os investidores privados.
- Comunidades e indivíduos são incentivados a procurar actividades de auto-investimento ou de parceria com privados.
- A figura do “paralegal” está a receber mais formação, de forma a proteger os direitos adquiridos pelas mulheres, que constituem a maior força de trabalho rural.
Pode fazer-me um resumo do trabalho da FAO em Moçambique. Quais são os eixos principais de intervenção?
Nos meados dos anos 90, a FAO iniciou um programa de apoio ao Governo de Moçambique no sentido elaborar uma nova política de terras e depois uma nova Lei de Terras (a de 1997). Com base nesses pacotes legislativos, posteriormente, também fizemos um programa de formação de quadros nacionais tanto do Governo como das ONG’s.
O aspecto principal deste apoio tem sido o reconhecimento dos direitos da terra adquiridos através dos costumes, normas e práticas costumeiras. Essa foi uma grande conquista. Uma parte central do nosso trabalho é agora saber como integrar esse reconhecimento dos direitos adquiridos com a necessidade também de promover o investimento no campo, ou seja, dar também direito aos privados que querem ter acesso à terra.
A lei facilita uma situação construtiva entre os vários titulares, os vários detentores dos direitos, através de diferentes processos, que passam, por exemplo, pela consulta comunitária. É um acesso à terra por parte dos privados que é negociado junto das comunidades que já têm direito adquirido.
Temos ainda hoje um programa de formação com juízes, juristas e procuradores, governo local, administradores de hospitais e uma nova figura que chamamos os paralegais (prestam apoio técnico e jurídico às comunidades locais, para que possam usar o seu direito de uma forma mais produtiva). Queremos que as comunidades conheçam e exerçam os seus direitos junto do sector privado e também sozinhas, nos seus próprios projectos, para poderem atingir um processo de desenvolvimento sustentável, equitativo, onde as comunidades ganham, mas onde também o Estado pode ganhar. As pessoas das comunidades receberam formação e depois devem voltar às suas comunidades e organizações e começar a identificar oportunidades de investimento, parcerias com privados, etc.
O escritório da FAO em Moçambique está, há algum tempo, desenvolvendo, com o apoio da unidade técnica de género, capacitações em matéria de análise socioeconômica de gênero, etc. Temos entendido que o programa Terra está a dar uma atenção mais particular à questão do gênero.
Nós começamos com o reconhecimento dos direitos a nível das comunidades por uma razão muito simples: Temos que assegurar que as comunidades não perdem as suas terras numa altura onde há muita demanda de terra pelo sector privado. Nesse contexto, as mulheres adquirem também os seus direitos através das práticas costumeiras e por lei, o que significa que elas têm um direito social reconhecido pelo Estado. Agora, a nossa atenção está a voltar-se mais para as maneiras de proteger esses direitos adquiridos pelas mulheres, direitos que são cada vez mais vulneráveis por causa de condicionantes, como a pandemia de VIH/sida.
É necessário encontrar maneiras de aplicar a lei formal, de analisar os princípios constitucionais que possam condicionar a aplicação do direito costumeiro na situação das mulheres. Estamos a elaborar um programa complementar que vai reforçar o trabalho do paralegal, e que lhe vai dar, por um lado, o conhecimento jurídico necessário para apoiar a legitimidade dos direitos costumeiros, e por outro lado, quando for necessário proteger a mulher, ensinar à mulher como recorrer à lei formal, para que ela possa usar o seu direito e o use de uma forma construtiva em prol do desenvolvimento dela e da sua família.
Fora do âmbito desse trabalho com o Centro de Formação Jurídico e Judicial, com este novo projecto com a Cooperação da Noruega em matéria de género e Terra, a FAO vai reforçar de certa forma uma parceria nova com a Direcção Nacional de Promoção do Desenvolvimento Rural. Qual a estratégia por trás deste projecto?
A DNPDR está agora na fase inicial de implementar a nova estratégia de desenvolvimento rural. O objectivo dois dessa estratégia prevê a implementação concreta dos aspectos comunitários da Lei das Terras e a construção de um processo de desenvolvimento rural participativo, equitativo e sustentável com base no reconhecimento dos direitos das comunidades, e dentro das comunidades das famílias e dos indivíduos, inclusive das mulheres, que têm direito adquirido pelas práticas e normas costumeiras.
Vamos formar quadros da Direcção Nacional sobre como aplicarem as Leis de Terras, Florestas e Ambiente de uma forma muito prática, para promover um processo de desenvolvimento com base no investimento próprio das comunidades e também promovendo as parcerias entre as comunidades locais e os investidores. Para a mulher, sendo ela a maior parte da força de trabalho e sendo ela também um titular de direitos adquiridos por costume, temos que assegurar que ela tem a plena oportunidade de participar neste processo e que vai beneficiar dos novos rendimentos e das novas oportunidades oferecidas pelo processo de desenvolvimento rural.
Entrevista conduzida por Paolo Groppo
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