Entrevista com Alcília Monteiro, do Gabinete de Planificação Agrícola, Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Guiné-Bissau
O sector da agricultura na Guiné-Bissau sofre as consequências das sucessivas crises políticas no país. Há poucos meios, não há recolha de dados estatísticos, falta formação e, como se não bastasse, os governos vão contribuindo apenas com menos de três por cento do OE para o Ministério da Agricultura. Alcília Monteiro garante que, apesar das dificuldades, a Guiné-Bissau é um país essencialmente agrícola, e a agricultura é "um sector prioritário e chave para o desenvolvimento do país". Por isso, os técnicos do Ministério não desistem e lutam para garantir a segurança alimentar em todo o país e para melhorar o quadro de vida das populações rurais, em particular das mulheres.
A Guiné-Bissau atravessa mais um momento de instabilidade política. Isso, com certeza, afecta o vosso trabalho?
É evidente que sim. O país está mais uma vez numa situação de crise, e isso poderá influenciar, de uma forma directa ou indirecta, o trabalho dos agricultores. Pode influenciar porque os parceiros para o desenvolvimento ficam sempre com uma certa reticência em investir e pôr aqui o dinheiro por causa dessa situação instável.
O país tem muita terra arável?
Sim, tem.
Quais são as principais culturas?
O arroz, que é o alimento de base. Outros cereais, o milho, a mandioca, a batata doce. O caju, que é a principal cultura de exportação. Sobretudo, a castanha é exportada para a Índia.
A transformação da castanha é feita na Guiné-Bissau?
Fazemos uma pequena transformação lá. A título familiar, em pequenas unidades, e também numa escala média, em comunidades. Já se exporta bastante, há uma grande solicitação dos EUA e da Europa, mas sobretudo da América. Mas não temos conseguido atingir o nível que eles querem, infelizmente.
E não têm projectos para melhorar o nível da produção?
Sim, temos. Há projectos em vista. A nível do Ministério, tanto no quadro do programa nacional de segurança alimentar, avançamos com alguns projectos. Mesmo ao nível do programa nacional de investimento a médio prazo, no quadro da CEDEAO, portanto do NEPAD, avançamos com projectos de género para a transformação de produtos de frutas e conservação de legumes.
A Guiné-Bissau tem um problema grave de discriminação da mulher conhecido intenacionalmente, a mutilação genital feminina. Na agricultura, também há discriminação?
É, sobretudo, ao nível tradicional. A mulher não tem direito à terra para a lavoura. A terra é pertença do homem. Mas sabemos que 55% da produção agrícola, essencialmente hortaliças na época seca e arroz na época das chuvas, vem da parte da mulher, que trabalha em terra que não lhe pertence e lhe é emprestada.
A lei não lhes dá acesso à terra?
A lei não discrimina, mas na prática o que acontece é isto. Os homens é que detêm a terra para a lavoura e as mulheres é que fazem a maior parte do trabalho agrícola e apenas é-lhes emprestada a terra.
Há muitas ONG’s que trabalham com as mulheres por causa do fanado, sabe se também trabalham no empoderamento da mulher que vive da agricultura?
Eu sei que fazem todo um trabalho de sensibilização e de mudança de mentalidades, mas não sei dizer quanto ao acesso à terra, não sei se tem influenciado. Mas penso que há um todo um trabalho a ser feito. O Instituto da Mulher e da Criança está a trabalhar nos diferentes domínios para ver se obtemos a equidade de género nos diferentes sectores.
Têm dificuldade em recolher dados estatísticos devido às sucessivas crises?
Sim. Durante os dez anos que se passaram após o conflito político-militar de 1998 ficamos no vazio. Não houve financiamento para os serviços estatísticos e não se conseguiu tratar os dados.
Mas conseguiram manter os dados que tinham anteriormente ou perderam-nos?
Perdemos também muita coisa. Ficamos sem meios, os colegas dessa área queriam ir trabalhar para o campo e não tinham meios de transporte, combustível e o Ministério não tem condições. O nosso bolo ao nível do Orçamento de Estado é uma percentagem mínima, apenas 2,3 por cento.
Mas a maior parte da população vive da agricultura.
É um sector prioritário, e chave para o desenvolvimento do país. O país é essencialmente agrícola. Tem aparecido governos que dizem que vamos ter a agricultura como sector prioritário, outros que não dizem o mesmo, mas a verdade é que na prática nada acontece. Mesmo aqueles que dizem que a agricultura é prioritária... na prática, quando chegam ao Parlamento para aprovar o Orçamento o bolo destinado ao Ministério é sempre aquele mínimo, nunca chega aos 3%. Infelizmente é essa a realidade.
Os desafios são muitos, imagino.
Sobretudo, precisamos de estabilidade política. É preciso reorganizar as instituições: essa é uma das condições para o desenvolvimento do sector. No quadro da nossa política do sector, temos que garantir a segurança alimentar.
E como é a segurança alimentar no país, actualmente?
O camponês consegue minimamente equilibrar, tem alguma segurança alimentar, garante o seu dia-a-dia. Mas ao nível de todo o país precisamos ainda garantir isso. Precisamos também diversificar as exportações agrícolas, melhorar o quadro de vida das populações rurais.
E a Guiné-Bissau não integra o projecto que originou este atelier. A capacitação ia, no entanto, facilitar muito o vosso trabalho?
Sim. É muito importante para a agricultura uma boa gestão da água e da terra. Temos a mulher na agricultura, representando 46 a 49 por cento da população activa no campo, por isso seria importante para levar a cabo as actividades e ter um bom resultado, integrar o gênero na gestão e controle da água e da terra. Como disse anteriormente a mulher não tem acesso à terra, é-lhe emprestada.
Em traços gerais, no sector da agricultura, qual diria que é a maior necessidade de capacitação que têm?
Em todas as áreas. Temos necessidades nos diferentes domínios, sobretudo, quando falamos de mulheres precisamos de mais educação, formação profissional, auto-determinação.
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