
A Guiné-Bissau atravessa mais um momento de instabilidade política. Isso, com certeza, afecta o vosso trabalho?
É evidente que sim. O país está mais uma vez numa situação de crise, e isso poderá influenciar, de uma forma directa ou indirecta, o trabalho dos agricultores. Pode influenciar porque os parceiros para o desenvolvimento ficam sempre com uma certa reticência em investir e pôr aqui o dinheiro por causa dessa situação instável.
O país tem muita terra arável?
Sim, tem.
Quais são as principais culturas?
O arroz, que é o alimento de base. Outros cereais, o milho, a mandioca, a batata doce. O caju, que é a principal cultura de exportação. Sobretudo, a castanha é exportada para a Índia.
A transformação da castanha é feita na Guiné-Bissau?
Fazemos uma pequena transformação lá. A título familiar, em pequenas unidades, e também numa escala média, em comunidades. Já se exporta bastante, há uma grande solicitação dos EUA e da Europa, mas sobretudo da América. Mas não temos conseguido atingir o nível que eles querem, infelizmente.
E não têm projectos para melhorar o nível da produção?
Sim, temos. Há projectos em vista. A nível do Ministério, tanto no quadro do programa nacional de segurança alimentar, avançamos com alguns projectos. Mesmo ao nível do programa nacional de investimento a médio prazo, no quadro da CEDEAO, portanto do NEPAD, avançamos com projectos de género para a transformação de produtos de frutas e conservação de legumes.
A Guiné-Bissau tem um problema grave de discriminação da mulher conhecido intenacionalmente, a mutilação genital feminina. Na agricultura, também há discriminação?
É, sobretudo, ao nível tradicional. A mulher não tem direito à terra para a lavoura. A terra é pertença do homem. Mas sabemos que 55% da produção agrícola, essencialmente hortaliças na época seca e arroz na época das chuvas, vem da parte da mulher, que trabalha em terra que não lhe pertence e lhe é emprestada.
A lei não lhes dá acesso à terra?
A lei não discrimina, mas na prática o que acontece é isto. Os homens é que detêm a terra para a lavoura e as mulheres é que fazem a maior parte do trabalho agrícola e apenas é-lhes emprestada a terra.

Eu sei que fazem todo um trabalho de sensibilização e de mudança de mentalidades, mas não sei dizer quanto ao acesso à terra, não sei se tem influenciado. Mas penso que há um todo um trabalho a ser feito. O Instituto da Mulher e da Criança está a trabalhar nos diferentes domínios para ver se obtemos a equidade de género nos diferentes sectores.
Têm dificuldade em recolher dados estatísticos devido às sucessivas crises?
Sim. Durante os dez anos que se passaram após o conflito político-militar de 1998 ficamos no vazio. Não houve financiamento para os serviços estatísticos e não se conseguiu tratar os dados.
Mas conseguiram manter os dados que tinham anteriormente ou perderam-nos?
Perdemos também muita coisa. Ficamos sem meios, os colegas dessa área queriam ir trabalhar para o campo e não tinham meios de transporte, combustível e o Ministério não tem condições. O nosso bolo ao nível do Orçamento de Estado é uma percentagem mínima, apenas 2,3 por cento.
Mas a maior parte da população vive da agricultura.
É um sector prioritário, e chave para o desenvolvimento do país. O país é essencialmente agrícola. Tem aparecido governos que dizem que vamos ter a agricultura como sector prioritário, outros que não dizem o mesmo, mas a verdade é que na prática nada acontece. Mesmo aqueles que dizem que a agricultura é prioritária... na prática, quando chegam ao Parlamento para aprovar o Orçamento o bolo destinado ao Ministério é sempre aquele mínimo, nunca chega aos 3%. Infelizmente é essa a realidade.
Os desafios são muitos, imagino.
Sobretudo, precisamos de estabilidade política. É preciso reorganizar as instituições: essa é uma das condições para o desenvolvimento do sector. No quadro da nossa política do sector, temos que garantir a segurança alimentar.
E como é a segurança alimentar no país, actualmente?
O camponês consegue minimamente equilibrar, tem alguma segurança alimentar, garante o seu dia-a-dia. Mas ao nível de todo o país precisamos ainda garantir isso. Precisamos também diversificar as exportações agrícolas, melhorar o quadro de vida das populações rurais.
E a Guiné-Bissau não integra o projecto que originou este atelier. A capacitação ia, no entanto, facilitar muito o vosso trabalho?
Sim. É muito importante para a agricultura uma boa gestão da água e da terra. Temos a mulher na agricultura, representando 46 a 49 por cento da população activa no campo, por isso seria importante para levar a cabo as actividades e ter um bom resultado, integrar o gênero na gestão e controle da água e da terra. Como disse anteriormente a mulher não tem acesso à terra, é-lhe emprestada.
Em traços gerais, no sector da agricultura, qual diria que é a maior necessidade de capacitação que têm?
Em todas as áreas. Temos necessidades nos diferentes domínios, sobretudo, quando falamos de mulheres precisamos de mais educação, formação profissional, auto-determinação.
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