18.6.10

Agricultura: “Escoamento de produtos é o maior problema de São Nicolau”

Há poucas semanas no Ministério do Ambiente, Desenvolvimento Rural e Recursos Marinhos na vila da Ribeira Brava, Lucilena Soares consegue já fazer um retrato crítico do estado da agricultura na ilha de São Nicolau. Na sua opinião, o maior entrave ao desenvolvimento agrícola é “a falta de transporte para escoamento de produtos”. Esta socióloga de formação, que está a estagiar no MADRRM, garante que “apesar das mulheres participarem no trabalho agrícola, ainda são os homens que tomam as decisões”.

Porque é que decidiu estagiar no MADRRM, sendo socióloga?
Foi uma oportunidade que surgiu. Quando terminamos o curso, ficamos à procura do primeiro emprego e então fizeram-me a proposta se eu queria estagiar lá e eu aceitei. Estou mesmo a trabalhar com uma socióloga, no Departamento de Extensão Rural e Estatística.
Apesar do pouco tempo que tem no Ministério (cerca de uma semana em finais de Maio), quais são para si os pontos fracos da agricultura na ilha?
É a nível do escoamento dos produtos para fora. Às vezes, produz-se em demasiada e acaba-se por estragar alguns produtos. Embora o que é produzido seja mais para consumo local e das famílias, começa a haver alguma dificuldade em vender os produtos porque as pessoas já têm parcelas em casa e já não vão comprar aos agricultores. Como São Nicolau tem um grande problema, neste momento, que é a falta de meio de transporte, os produtos ficam ali. Não há barco há alguns meses, de vez em quando aparece um barco da ilha do Sal. É só avião. Esse é o problema principal de S. Nicolau.
As mulheres participam no trabalho agrícola e nas associações locais?
Muito pouco. A zona que tem mais mulheres é a zona de Fajã, a zona mais agrícola, mas aí a maioria dos proprietários são homens. As mulheres são mais para o tempo da colheita e para a venda dos produtos. Tiram os produtos, vão à vila vender, mas mulheres que trabalham a terra são poucas.
Nas associações comunitárias, as mulheres participam, mas são mais os homens que tomam as decisões.
No atelier (Final de Maio, na cidade da Praia), fizemos várias reflexões e debates sobre a falta de participação da mulher ou não nas actividades associativas e na tomada de decisões. Para si, que tem formação de socióloga, deve ter sido interessante ter a oportunidade de pensar sobre estas questões.
Para mim, foi muito importante. Mesmo a nível de conhecimentos e também para troca de experiências. Há muita coisa que sei nesta área mas muito por alto. Hoje (último dia do atelier) gostei muito da parte jurídica: Praticamente não sabia de leis que regem a agricultura em Cabo Verde. Mas os três dias foram muito bons. Fiquei a conhecer as realidades de outras localidades do país e de outras ilhas. Acho bom que tenhamos conhecimento dessas outras realidades para que possamos melhorar a nossa própria realidade.
E o que pensa da integração da abordagem gênero nas políticas e programas? É possível fazê-lo com eficácia?
Acho que temos que muito que mudar. Em S. Nicolau como nos outros lugares, a agricultura, ou a posse da terra e da água, está mais virada para os homens. Acho que é um processo que deve mudar, mas que ainda vai levar um pouco de tempo. O atelier é importante porque adquirimos ferramentas para melhorar a questão do gênero mas penso que é um pouco difícil devido à mentalidade das pessoas. Acredito que devemos fazer um trabalho de formação, fazer, primeiro, a mudança nas pessoas.
Quando voltar vai começar a fazer essa mudança? Já tem alguma ideia para projectos?
Vou levar os conhecimentos para o Ministério de Ambiente. Já existem alguns projectos que abordam a questão do gênero: nesse momento está a decorrer na zona de Fajã um curso de 10 meses de agro-pecuária com uma forte aderência de mulheres. O curso é financiado pelo Millenium Challenge Account e pela MADRRM e dirige-se a meninas que terminaram o 12º ano e que não tiveram oportunidade de ir para a universidade. Acho que já é um ponto de partida para que se mude essa ideia de que são só os homens que devem ter a posse da terra.

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