Aneth Lopes, técnica do departamento de Planeamento estratégico e intervenção financeira do Instituto Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos, garante, em entrevista, que a abordagem gênero deverá ser incluída na análise estatística de dados sobre a água, em particular no novo projecto Sinágua - Sistema Nacional de Informação sobre Água.
Um dos maiores problemas estruturais de Cabo Verde é o acesso à água. Esse problema atinge particularmente as mulheres, mas ainda assim o INGRH continua a não ter dados desagregados por gênero. Porquê?Ainda não começamos a trabalhar com a questão de gênero porque trabalhamos com os dados brutos. Ou seja, não especificamos o sexo, a desagregação por gênero. Mas temos todos os outros dados brutos com todas as informações necessárias sobre a água. Por exemplo, temos o balanço hídrico, que é a quantidade de furos que há em Cabo Verde, especificado por todas as ilhas, contabilizamos as nascentes, etc. Mas nesses dados, de facto, nunca especificamos homens e mulheres. Não sei porquê.
Eu estive no atelier do ano passado (Junho de 2009) e desde aí concordamos que íamos começar a trabalhar nesse aspecto. Em 2010, vamos implementar dois projectos: um sobre a operacionalização da hidrologia superficial; o outro é o Sinágua-Sistema Nacional de Informação sobre a Água. O primeiro projecto vamos implementar agora, o coordenador já está a começar os trabalhos, e vamos ver se conseguimos incluir a questão de gênero. Já o Sinágua é o projecto mais oportuno para inserir a questão de gênero, mas estamos ainda na recolha para a base de dados.
Mas então não está ainda decidido incluir a questão de gênero nas analises de dados?
Ainda não há nada feito. Fizemos reuniões, estamos em recolha de dados para ver se conseguimos integrar nos projectos. E a verdade é que sem esses dados desagregados não conseguimos fazer projectos que alterem o panorama de desigualdade.
Não há como fugir a esse facto.
É. Essa questão do gênero dentro dos recursos hídricos é muito importante. As mulheres têm capacidade, mas não têm oportunidade. Quando se vê um grupo (associação) de homens e mulheres, se elas querem ser chefes, normalmente eles não deixam. Não sei se é a cultura cabo-verdiana, mas os homens sempre ficam por cima da situação. Mas já estamos a mudar.
Como é que podemos sensibilizar as mulheres para que se envolvam mais nas decisões?
As mulheres estão sempre mais envolvidas na gestão da água. Elas apanham a água, trabalham na cozinha, na lida da casa. Mas quando chega a hora da decisão, os homens têm a primazia. Temos que sensibilizar as mulheres para terem força até porque elas próprias já desistem da responsabilidade. Elas conhecem mais tudo o que tenha a ver com a gestão da água, elas sabem o tempo que se demora a andar dois quilômetros para ir buscar uma lata de água. Mas o INGRH está a melhorar a vida das populações, colocando exactamente água em todas as casas no meio rural, e assim as mulheres terão mais tempo.
Como não têm dados, não sabem realmente se há discriminação no acesso à água? Não sabemos. Todos os anos criamos um programa de investimento com projectos destinados a melhorar as condições de vida das populações que não têm água. Nas zonas rurais ainda há muitas pessoas que não têm água. Este ano fizemos dois projectos, um em São Salvador do Mundo, com ligação domiciliária, perfuração, e reservatório e temos outro em Santa Cruz, aliás assinamos o contrato no mês passado. Cada ano estamos a diminuir as carências de água das populações nas zonas rurais. Na cidade não há problema de abastecimento, mas apenas de qualidade nalgumas zonas.
A falta de qualidade da água é uma das grandes queixas, por exemplo, para quem mora na Praia.
A qualidade não depende só do INGRH. O INGRH faz a recolha das amostras, verifica as nascentes, os furos e os reservatórios, mas dos reservatórios até às casas das pessoas são outras entidades que se devem responsabilizar. Eu posso dizer que não há qualidade de água, até porque em minha casa, às vezes, sai aquela água amarela. Mas os utentes culpam o INGRH e o problema não é nosso. Todo o trajecto que a água faz até chegar às casas já não é obrigação do INGRH. A tubagem é responsabilidade da Electra e das Câmaras Municipais. A Electra é que vende a água, não o INGRH. O INGRH só cobra a taxa de exploração.
Sem comentários:
Enviar um comentário