20.8.07

Questão fundiária abre novos horizontes de cooperação entre países lusófonos

Representantes dos países lusófonos reunidos, de 20 a 21 de Setembro, em atelier na Praia, Cabo Verde

A questão fundiária vai reunir na mesma mesa, entre 20 e 21 de Setembro, na cidade da Praia, em Cabo Verde, representantes dos oito Estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a FAO e o secretariado-executivo da CPLP. O propósito do atelier é conceber e validar um programa de formação e criação de capacidades institucionais tanto para o sector público como o privado nos países-membros nas várias vertentes da gestão das terras, nomeadamente cartografia, cadastro, questões jurídicas, sociológicas, tecnológicas. Pretende-se que este programa fortaleça e reforce as capacidades nacionais nesse domínio e contribua para o desenvolvimento rural, segurança alimentar e crescimento económico. O reforço das políticas de modernização e desenvolvimento da Agricultura e a reestruturação do sector/sistema fundiário são outros objectivos deste projecto. É também o momento que oficializa a criação do primeiro programa de cooperação entre a FAO e o secretariado-executivo da CPLP.




Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, com o apoio técnico e institucional da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação vão, numa lógica de negociação e de conciliação de interesses, tentar encontrar uma “estratégia” comum e um Programa comum de Capacitação no domínio das terras para os países lusófonos, fomentando a interacção entre as diferentes instituições, privadas e públicas, que trabalham, em cada um destes países, nesta área.

Com o apoio político dos Governos e da sociedade civil dos países-membros da CPLP, a Direcção de Desenvolvimento Rural da FAO vai procurar mobilizar recursos (financeiros, técnicos e tecnológicos) para a implementação deste programa – intitulado de "Capacitação Regional sobre Regime de Propriedade e Gestão da Terra e Aspectos Legais Associados” (referência do projecto: TCP/INT/3103) –, accionando ainda o interesse de financiadores (internacionais ou de dentro do universo da CPLP).

A formulação e análise de políticas e de um quadro jurídico para o sector fundiário, planeamento fundiário, registo e uso da terra, serviços de consultoria rural, registo de terras de comunidades, questões de género relacionadas com a terra são alguns dos temas que farão parte das acções de capacitação que a FAO tem por missão efectuar nos Estados-membros da CPLP.

O programa pretende ainda reforçar as capacidades das ONG’s e dos principais actores na questão fundiária – camponeses sem terra, agricultores, associações comunitárias, entre outros – com a FAO a prestar o apoio técnico para a legitimação social desses grupos perante os governos dos seus países.

Todos os Estados lusófonos elaboraram um inventário das suas capacidades em termos de oferta e procura de formação (pontos fortes e fraquezas das diferentes instituições, públicas e privadas, no domínio da terra, necessidades de cada país para as acções de capacitação). Nesta compilação de dados sobre o "estado" do sector fundiário não foram esquecidas as dimensões de género (direito e acesso da mulher a terra) e as minorias étnicas.


Reunindo os dados dos Oito, e depois de alguns Workshops intercalares para estabelecer consenso, a FAO criou as linhas-mestras desta iniciativa regional, que assume a forma de um Programa de Cooperação Técnica. Na cidade da Praia, este programa é apresentado publicamente, pela primeira vez. Nos dois dias de debate, de 20 a 21 de Setembro, pretende-se aprovar e validar a proposta, mobilizar financiamento e definir de que forma a FAO vai desenvolver e apoiar os estados-membros a concretizar as acções de capacitação previstas no programa.

Como se chegou até aqui?

A ideia de encontrar um entendimento comum entre os países lusófonos sobre a questão da terra surgiu na primeira reunião técnica de troca de experiências sobre estratégias no regime de propriedade da terra, realizada na sede da FAO em Roma, em Dezembro de 2000.

Como consequência dessa decisão, os países-membros concordaram em colocar a questão fundiária na agenda da reunião dos Ministros da Agricultura da CPLP, que decorreu de 6 a 7 de Novembro de 2002, em Maputo, Moçambique. A declaração final deste encontro, que teve o apoio técnico e logístico da FAO, solicita que esta organização do sistema das Nações Unidas formule um programa de capacitação regional no domínio das terras, que reforce não só as capacidades dos Estados-membros da CPLP na reforma e gestão das terras, mas que se ocupe também da formação, treinamento e capacitação das instituições, públicas e privadas, ligadas à terra.

Três anos depois, a ministra da Agricultura e Ambiente de Cabo Verde aproveitou um novo encontro com os seus homólogos, que aconteceu a 21 de Novembro de 2005, em Roma, no âmbito da Conferência Bienal da FAO, para relançar a iniciativa, tendo em conta o consenso obtido na reunião de Maputo.

Madalena Neves declarou, na abertura deste encontro, que a “Capacitação deve ser uma aposta forte para concretização das reformas legislativas e administrativas assumidas pelos países lusófonos em prol da garantia, entre outros, de uma agricultura sustentável, ecologicamente equilibrada, economicamente viável, socialmente justa, culturalmente apropriada e orientada pelos avanços científico-tecnológicos”.

Nesse sentido, a tutelar da pasta da Agricultura em Cabo Verde realçou a importância da implementação de um projecto para a Formulação de um Programa de Capacitação Regional sobre Regime de Propriedade Territorial, Gestão da Terra e aspectos legais, dirigido aos países membros da CPLP, e contando com o apoio da FAO.

A ministra admitiu ainda a possibilidade de se criar uma proposta de projecto para implementação do programa de formações com especial atenção à cooperação Sul/Sul com Brasil e Portugal. E, por fim, propôs Cabo Verde – que hoje coordena formalmente o programa e organiza o atelier de capacitação – para “acolher a sede do TCP e do Programa, pela sua localização geográfica privilegiada, situando-se entre os três continentes”.

Não menos importante – salientou ainda Madalena Neves – é “a promoção da língua portuguesa e da cooperação entre os países de língua oficial portuguesa no domínio da capacitação em matéria fundiária, aproveitando o know-how do Brasil e de Portugal”. Na sua opinião este projecto, “pela sua dimensão, poderá ser um vector de promoção da CPLP”, justificou no discurso de abertura do encontro de Roma entre os ministros dos Países Lusófonos.

Portugal, representado neste encontro pelo seu Embaixador em Roma, destacou também “a importância da parceria entre a CPLP e a FAO, a fim de promover uma maior expertise técnica nas questões da terra”.

O ministro de Moçambique referiu a relevância do tema “gestão de terras” na actualidade, considerando a iniciativa, de forma ampla, como “um meio hábil para a promoção da justiça social, defesa do meio ambiente e resolução de problemáticas inter-sociais”. Os representantes de Angola, Timor-Leste, Guiné-Bissau e Brasil manifestaram também interesse em desenvolver o projecto.


A assinatura do projecto aconteceu durante a II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, que reuniu delegações de 81 países em Porto Alegre, Sul do Brasil, entre 7 e 10 de Março de 2006.

Na altura, a agência de notícias portuguesa Lusa reportou que este projecto se tratava de “um acordo inédito para a gestão da terra entre a CPLP e FAO”.

A Lusa citou Paolo Groppo, da Divisão de Desenvolvimento Rural da FAO, que adiantou que "a FAO não quer somente trabalhar em países separados, mas ajudar a fortalecer a cooperação entre eles". Segundo explicou, na época, Groppo, a FAO quer aproveitar as instituições existentes nos países lusófonos e elaborar uma proposta de fomento dos programas nacionais como forma de reforçar os laços culturais e permitir a elaboração de material comum em língua portuguesa.