27.8.09

São Tomé e Príncipe: "Agricultores precisam de mais apoios e capacitação"

Entrevista com Claudina Dias da Costa, do Gabinete de Assuntos Fundiários, Ministério da Agricultura de São Tomé e Príncipe

Destaques

  • Estado distribuiu terras para usufruto aos agricultores mas algumas propriedades continuam sem títulos actuais
  • FAO apoia cadastro das terras e lei de propriedade de terras
  • Agricultores, homens ou mulheres, têm acesso à terra e água, mas necessitam de mais meios, capacitação e apoios para o escoamento dos produtos

Em São Tomé, tanto homens como mulheres têm acesso à terra?

O Gabinete de Assuntos Fundiários é que trata das questões da distribuição da terra, distribuindo a terra aos pequenos e médios empresários de acordo com o que está estabelecido na lei.
A lei tem algumas regulamentações que dizem que se deve distribuir a terra em família, tanto para homem como para mulher. Ou seja, para cada família existe apenas um título de posse.

Mesmo que seja uma família “comandada” por uma mulher?

O título de posse é para a família, seja tanto de homem como de mulheres. No entanto, muitas vezes o nome que vem na frente do título é geralmente o do homem. Os nomes da mulher e dos filhos ou de outros elementos do agregado familiar ficam na parte de trás do título.
No nosso gabinete não temos aquela visão de quem toma a terra é para o homem ou para a mulher.

Porque é que distribuíram as terras assim para as famílias?

Essa distribuição de terras foi mais para os trabalhadores agrícolas, porque, na altura da nacionalização das roças, o Estado não tinha como pagar a esses trabalhadores. Então decidiu distribuir as terras, para poderem trabalhar, cultivar e sustentar a sua família e ter a sua economia.

Não há então discriminação das mulheres?

Nos casos de ter terra e receber títulos de posse, não há. Aquelas mulheres que tomaram as terras com os maridos têm o título da família. Aquelas que são solteiras tomaram também o seu título, sozinhas, no seu nome.

E elas participam nas associações?

Homens e mulheres participam. Pode acontecer o caso da mulher por si própria ter o receio de participar ou então de não ter, muitas das vezes, tempo porque geralmente tem que cuidar da casa, dos filhos e às vezes até do marido (risos). São as tarefas domésticas que podem fazer com que as mulheres não participem muito, mas não há discriminação sobre se podem ou não participar.

A lei refere isso?

A lei e a Constituição dão acesso à terra a todos, homem ou mulher.

E as leis de terras?

As leis de terras dizem que é emitido um titulo provisório. O Estado adoptou esse título provisório para dar às pessoas o direito de cultivar terra, de usufruir do produto que está lá dentro, mas ao mesmo protege a terra e garante que continua no nome do Estado.

Então os agricultores têm apenas o usufruto da terra?

Sim. Assim evitamos que as pessoas vendam os seus títulos de propriedade e façam da terra aquilo que quiserem. É a forma que o Estado encontrou de proteger a terra para a geração vindoura. A terra é do Estado e é distribuída pelas populações para trabalhar a terra. Mas a terra continua sendo do Estado.

Os agricultores não a podem mesmo vender?

Eles só têm que trabalhar a terra. O que tem acontecido é que, às vezes, as pessoas trespassam o seu direito de usufruto para outra pessoa. E ao fazer esse trespasse, negociam algumas contrapartidas. Nisso o Estado já não interfere. Se alguém não tiver mais condições para trabalhar e quiser passar a terra pode fazê-lo, mas quem toma a terra sabe bem que só vai poder cultivar e vender o produto que sai da terra e mais nada.


Como é a divisão de terras, quais são os critérios?

Primeiro fazemos um inquérito, para saber quem vive na casa, se há homem e mulher, quantos filhos têm. Depois o gabinete vê, de acordo com o terreno que tem, como vai dividir os lotes pelas famílias. Há famílias em que tanto o homem como a mulher trabalham, e acabamos por dar dois ou três lotes para essa família, se houver muito terreno.

Mas há terras por registar, o que tem criado alguma confusão?

Sim. Quando o Estado são-tomense nacionalizou as roças não registou as terras, não fez o cadastro. Ao se distribuir a terra, demos às pessoas o usufruto mas muitas ainda não têm o título porque muitas terras ainda estão com os nomes dos donos antigos, de antes da Independência.
A FAO está, neste momento, a ajudar São Tomé a preparar leis de propriedade de terra e a fazer o cadastro. Também está a ensinar como se trabalha com GPS, para facilitar o cadastro da terra.

E o que acontece com as propriedades privadas?

Nessas o Estado não interfere. Estas terras que são distribuídas são apenas terrenos agrícolas.

Pelo que me diz, parece que em São Tomé tudo está muito bem definido e não há problemas.

(Risos) Problemas não faltam! Para trabalhar a terra, os agricultores precisam de mais apoios por parte do Estado, necessitam de dinheiro para investir e de capacitação.

Há apoio técnico?

Tem tido algum apoio técnico. O Ministério da Agricultura (MA) tem incentivado os agricultores a usarem algumas técnicas. Às vezes, há pessoas que tomam os terrenos e não sabem plantar. Podem dizer: vou plantar banana, mas nessa área pode não dar banana. Então o Ministério aconselha a que plantem pimenta ou outras coisas. Também há uma gestão das culturas, por exemplo, se o vizinho já planta pimenta, o do lado não vai poder cultivar o mesmo. Sugere-se que use a baunilha, por exemplo.

As mulheres das zonas rurais têm mais dificuldade para sobreviver do que os homens?

Em parte sim. Muitas são chefes de família, os homens abandonam-nas e ficam sozinhas a sustentar os filhos. É um bocado difícil. Na minha opinião, o MA devia ajudar uma forma de ajudar mais essas mulheres.

Do que ouviu neste atelier, o que mais a surpreendeu?

Há muitas coisas que ouvi aqui e que em São Tomé não acontecem. Ouvi que muitas mulheres não participam nas associações, que só o homem tem direito à terra, que é preciso dividir a água. Graças a Deus, nós não temos esses problemas. Em São Tomé, temos muita água e terra para todos. O que nos está a faltar é talvez a capacitação.

Os agricultores vivem bem? Conseguem distribuir os seus produtos?

Não vivem muito bem. A agricultura tem muita despesa. Falta ajuda financeira, acompanhamento técnico e encontrar uma forma de ajudar os pequenos agricultores a escoar os seus produtos para fora.