8.8.09

Desenvolvimento rural em Moçambique: “Comunidades devem procurar oportunidades de investimento e parcerias com privados”

Entrevista com Christopher Tanner, Consultor principal do Programa Terra da FAO-Moçambique


Destaques

  • Nova Lei de Terras facilita diálogo entre as comunidades rurais e os investidores privados.
  • Comunidades e indivíduos são incentivados a procurar actividades de auto-investimento ou de parceria com privados.
  • A figura do “paralegal” está a receber mais formação, de forma a proteger os direitos adquiridos pelas mulheres, que constituem a maior força de trabalho rural.

Pode fazer-me um resumo do trabalho da FAO em Moçambique. Quais são os eixos principais de intervenção?

Nos meados dos anos 90, a FAO iniciou um programa de apoio ao Governo de Moçambique no sentido elaborar uma nova política de terras e depois uma nova Lei de Terras (a de 1997). Com base nesses pacotes legislativos, posteriormente, também fizemos um programa de formação de quadros nacionais tanto do Governo como das ONG’s.

O aspecto principal deste apoio tem sido o reconhecimento dos direitos da terra adquiridos através dos costumes, normas e práticas costumeiras. Essa foi uma grande conquista. Uma parte central do nosso trabalho é agora saber como integrar esse reconhecimento dos direitos adquiridos com a necessidade também de promover o investimento no campo, ou seja, dar também direito aos privados que querem ter acesso à terra.

A lei facilita uma situação construtiva entre os vários titulares, os vários detentores dos direitos, através de diferentes processos, que passam, por exemplo, pela consulta comunitária. É um acesso à terra por parte dos privados que é negociado junto das comunidades que já têm direito adquirido.

Temos ainda hoje um programa de formação com juízes, juristas e procuradores, governo local, administradores de hospitais e uma nova figura que chamamos os paralegais (prestam apoio técnico e jurídico às comunidades locais, para que possam usar o seu direito de uma forma mais produtiva). Queremos que as comunidades conheçam e exerçam os seus direitos junto do sector privado e também sozinhas, nos seus próprios projectos, para poderem atingir um processo de desenvolvimento sustentável, equitativo, onde as comunidades ganham, mas onde também o Estado pode ganhar. As pessoas das comunidades receberam formação e depois devem voltar às suas comunidades e organizações e começar a identificar oportunidades de investimento, parcerias com privados, etc.

O escritório da FAO em Moçambique está, há algum tempo, desenvolvendo, com o apoio da unidade técnica de género, capacitações em matéria de análise socioeconômica de gênero, etc. Temos entendido que o programa Terra está a dar uma atenção mais particular à questão do gênero.

Nós começamos com o reconhecimento dos direitos a nível das comunidades por uma razão muito simples: Temos que assegurar que as comunidades não perdem as suas terras numa altura onde há muita demanda de terra pelo sector privado. Nesse contexto, as mulheres adquirem também os seus direitos através das práticas costumeiras e por lei, o que significa que elas têm um direito social reconhecido pelo Estado. Agora, a nossa atenção está a voltar-se mais para as maneiras de proteger esses direitos adquiridos pelas mulheres, direitos que são cada vez mais vulneráveis por causa de condicionantes, como a pandemia de VIH/sida.

É necessário encontrar maneiras de aplicar a lei formal, de analisar os princípios constitucionais que possam condicionar a aplicação do direito costumeiro na situação das mulheres. Estamos a elaborar um programa complementar que vai reforçar o trabalho do paralegal, e que lhe vai dar, por um lado, o conhecimento jurídico necessário para apoiar a legitimidade dos direitos costumeiros, e por outro lado, quando for necessário proteger a mulher, ensinar à mulher como recorrer à lei formal, para que ela possa usar o seu direito e o use de uma forma construtiva em prol do desenvolvimento dela e da sua família.

Fora do âmbito desse trabalho com o Centro de Formação Jurídico e Judicial, com este novo projecto com a Cooperação da Noruega em matéria de género e Terra, a FAO vai reforçar de certa forma uma parceria nova com a Direcção Nacional de Promoção do Desenvolvimento Rural. Qual a estratégia por trás deste projecto?

A DNPDR está agora na fase inicial de implementar a nova estratégia de desenvolvimento rural. O objectivo dois dessa estratégia prevê a implementação concreta dos aspectos comunitários da Lei das Terras e a construção de um processo de desenvolvimento rural participativo, equitativo e sustentável com base no reconhecimento dos direitos das comunidades, e dentro das comunidades das famílias e dos indivíduos, inclusive das mulheres, que têm direito adquirido pelas práticas e normas costumeiras.

Vamos formar quadros da Direcção Nacional sobre como aplicarem as Leis de Terras, Florestas e Ambiente de uma forma muito prática, para promover um processo de desenvolvimento com base no investimento próprio das comunidades e também promovendo as parcerias entre as comunidades locais e os investidores. Para a mulher, sendo ela a maior parte da força de trabalho e sendo ela também um titular de direitos adquiridos por costume, temos que assegurar que ela tem a plena oportunidade de participar neste processo e que vai beneficiar dos novos rendimentos e das novas oportunidades oferecidas pelo processo de desenvolvimento rural.

Entrevista conduzida por Paolo Groppo

2.8.09

Guiné-Bissau: Agricultura é sector-chave para o desenvolvimento, mas esquecido pelo Governo

Entrevista com Alcília Monteiro, do Gabinete de Planificação Agrícola, Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Guiné-Bissau

O sector da agricultura na Guiné-Bissau sofre as consequências das sucessivas crises políticas no país. Há poucos meios, não há recolha de dados estatísticos, falta formação e, como se não bastasse, os governos vão contribuindo apenas com menos de três por cento do OE para o Ministério da Agricultura. Alcília Monteiro garante que, apesar das dificuldades, a Guiné-Bissau é um país essencialmente agrícola, e a agricultura é "um sector prioritário e chave para o desenvolvimento do país". Por isso, os técnicos do Ministério não desistem e lutam para garantir a segurança alimentar em todo o país e para melhorar o quadro de vida das populações rurais, em particular das mulheres.

A Guiné-Bissau atravessa mais um momento de instabilidade política. Isso, com certeza, afecta o vosso trabalho?

É evidente que sim. O país está mais uma vez numa situação de crise, e isso poderá influenciar, de uma forma directa ou indirecta, o trabalho dos agricultores. Pode influenciar porque os parceiros para o desenvolvimento ficam sempre com uma certa reticência em investir e pôr aqui o dinheiro por causa dessa situação instável.

O país tem muita terra arável?
Sim, tem.

Quais são as principais culturas?
O arroz, que é o alimento de base. Outros cereais, o milho, a mandioca, a batata doce. O caju, que é a principal cultura de exportação. Sobretudo, a castanha é exportada para a Índia.

A transformação da castanha é feita na Guiné-Bissau?

Fazemos uma pequena transformação lá. A título familiar, em pequenas unidades, e também numa escala média, em comunidades. Já se exporta bastante, há uma grande solicitação dos EUA e da Europa, mas sobretudo da América. Mas não temos conseguido atingir o nível que eles querem, infelizmente.

E não têm projectos para melhorar o nível da produção?

Sim, temos. Há projectos em vista. A nível do Ministério, tanto no quadro do programa nacional de segurança alimentar, avançamos com alguns projectos. Mesmo ao nível do programa nacional de investimento a médio prazo, no quadro da CEDEAO, portanto do NEPAD, avançamos com projectos de género para a transformação de produtos de frutas e conservação de legumes.

A Guiné-Bissau tem um problema grave de discriminação da mulher conhecido intenacionalmente, a mutilação genital feminina. Na agricultura, também há discriminação?

É, sobretudo, ao nível tradicional. A mulher não tem direito à terra para a lavoura. A terra é pertença do homem. Mas sabemos que 55% da produção agrícola, essencialmente hortaliças na época seca e arroz na época das chuvas, vem da parte da mulher, que trabalha em terra que não lhe pertence e lhe é emprestada.

A lei não lhes dá acesso à terra?

A lei não discrimina, mas na prática o que acontece é isto. Os homens é que detêm a terra para a lavoura e as mulheres é que fazem a maior parte do trabalho agrícola e apenas é-lhes emprestada a terra.

Há muitas ONG’s que trabalham com as mulheres por causa do fanado, sabe se também trabalham no empoderamento da mulher que vive da agricultura?

Eu sei que fazem todo um trabalho de sensibilização e de mudança de mentalidades, mas não sei dizer quanto ao acesso à terra, não sei se tem influenciado. Mas penso que há um todo um trabalho a ser feito. O Instituto da Mulher e da Criança está a trabalhar nos diferentes domínios para ver se obtemos a equidade de género nos diferentes sectores.

Têm dificuldade em recolher dados estatísticos devido às sucessivas crises?

Sim. Durante os dez anos que se passaram após o conflito político-militar de 1998 ficamos no vazio. Não houve financiamento para os serviços estatísticos e não se conseguiu tratar os dados.

Mas conseguiram manter os dados que tinham anteriormente ou perderam-nos?
Perdemos também muita coisa. Ficamos sem meios, os colegas dessa área queriam ir trabalhar para o campo e não tinham meios de transporte, combustível e o Ministério não tem condições. O nosso bolo ao nível do Orçamento de Estado é uma percentagem mínima, apenas 2,3 por cento.

Mas a maior parte da população vive da agricultura.

É um sector prioritário, e chave para o desenvolvimento do país. O país é essencialmente agrícola. Tem aparecido governos que dizem que vamos ter a agricultura como sector prioritário, outros que não dizem o mesmo, mas a verdade é que na prática nada acontece. Mesmo aqueles que dizem que a agricultura é prioritária... na prática, quando chegam ao Parlamento para aprovar o Orçamento o bolo destinado ao Ministério é sempre aquele mínimo, nunca chega aos 3%. Infelizmente é essa a realidade.

Os desafios são muitos, imagino.

Sobretudo, precisamos de estabilidade política. É preciso reorganizar as instituições: essa é uma das condições para o desenvolvimento do sector. No quadro da nossa política do sector, temos que garantir a segurança alimentar.

E como é a segurança alimentar no país, actualmente?
O camponês consegue minimamente equilibrar, tem alguma segurança alimentar, garante o seu dia-a-dia. Mas ao nível de todo o país precisamos ainda garantir isso. Precisamos também diversificar as exportações agrícolas, melhorar o quadro de vida das populações rurais.

E a Guiné-Bissau não integra o projecto que originou este atelier. A capacitação ia, no entanto, facilitar muito o vosso trabalho?
Sim. É muito importante para a agricultura uma boa gestão da água e da terra. Temos a mulher na agricultura, representando 46 a 49 por cento da população activa no campo, por isso seria importante para levar a cabo as actividades e ter um bom resultado, integrar o gênero na gestão e controle da água e da terra. Como disse anteriormente a mulher não tem acesso à terra, é-lhe emprestada.

Em traços gerais, no sector da agricultura, qual diria que é a maior necessidade de capacitação que têm?

Em todas as áreas. Temos necessidades nos diferentes domínios, sobretudo, quando falamos de mulheres precisamos de mais educação, formação profissional, auto-determinação.