6.9.09

Moçambique: Maior desafio é mudar a mentalidade dos homens e das lideranças

Entrevista a Domingas Sequeira, Direcção Nacional de Serviços Agrários do Ministério da Agricultura de Moçambique

Destaques

  • Equidade de género já está contemplada nas estratégias do Ministério da Agricultura
  • A abordagem é integrada nas acções, mas, por vezes, os chefes não aprovam certas actividades destinadas somente a mulheres
  • No mundo rural e nas comunidades, a mentalidade começa a mudar, mas ainda há muito trabalho de sensibilização a fazer, principalmente com os homens

Como está a situação em Moçambique em termos de integração das políticas de gênero nos diferentes sectores?

A interligação entre todos os sectores está boa, continua estável, mas com alguns problemas. Nós ainda estamos a usar a estratégia de 2005, não houve mudança e estamos a fazer um estudo para uma nova abordagem em 2010.
A estratégia que estamos a usar abrange todos os sectores, tem planos de acção, e o plano tem uma boa base de actividade. Todas as actividades, em termos de planificação, têm sido feitas com base na equidade de gênero.

Qual é a estratégia para o sector agrário?

Estabelece as normas e as directrizes de como o Ministério e as direcções devem caminhar em termos de actividade, e vem acompanhada dum plano de acção. O plano é usado por cada instituição para dirigir as actividades e o grupo alvo.

E a componente gênero aparece? E como?

Aparece. Ela aparece a explicar todas as actividades, incluindo as definições e os objectivos da integração do gênero na distribuição das actividades. Aparece a explicar o funcionamento da estratégia em todo o Ministério. A estratégia é para cinco anos.

Disse que ainda há problemas, quais são?

Esperemos que algo mude com a nova estratégia para 2010.
Os problemas existem na exequibilidade. A estratégia está feita, as directrizes estão feitas, os indicadores estão lá, mas não chegam, na prática, a ser exeqüíveis. Poucas direcções estão a fazer o trabalho prático, usando a estratégia, junto com o plano de acção. Nós queremos tentar institucionalizar o Departamento de gênero, colocando-o no topo. Vamos tentar colocar no sector de planificação do Ministério da Agricultura, porque é de lá que vem o bolo.

No terreno como é que as coisas se passam? Água e terra são acessíveis aos homens e mulheres?

Eu trabalho com água. No terreno, algumas associações já estão formadas segundo a equidade de gênero. E, nessas associações, o que eu faço é ver qual é a origem da água e se há água para todo o ano. Para construir um sistema de rega, não dá para ter água por dois, três meses, senão acaba por causa do sistema em si. É preciso saber a quantidade de água na comunidade, a fonte, se precisam esperar a chuva. Depois disso, faço o projecto, e submeto à direcção, dizendo que na zona tal existem todas as condições para construir um sistema de rega. Muitas mulheres já começaram a aderir também.
Nos casos em que não há equidade, como numa associação em que havia 17 homens, eu tive que dar uma pequena formação de dois dias, e reformular o grupo. Depois de reorganizarem a associação eu posso dar as condições para criar o sistema de rega.

Porque é que em algumas associações as mulheres não aderiam?

Não participavam porque achavam que tomar conta de um sistema de rega tinha muitos custos, por causa da moto-bomba e porque é preciso meter combustível. Elas achavam que não eram capazes de gerir os fundos e trabalhar com a moto-bomba.

Mas elas também trabalham na agricultura e com os sistemas de rega como os homens? Só não estão representadas na associação?

Agora não é assim, as coisas mudaram. Desde 2005 para cá, há associações só de mulheres.
A primeira-dama parabenizou até uma associação em Tsangano. Ela ficou muito feliz com o trabalho que uma senhora fez, uma senhora que teve a iniciativa, convidou outras mulheres e procurou uma instituição de acção social para se informar de como começar uma associação. Começou assim com seis pessoas e agora tem uma grande associação, e a primeira-dama por ter gostado do trabalho dela ofereceu uma carrinha para escoar os produtos. É uma associação que está a funcionar muito bem e é só de mulheres.
O que penso que está a faltar é o seguinte: Eu já fiz muito trabalho de pesquisa em muitas províncias, e detectei sítios em que é possível existir uma agricultura irrigada e em que isso não acontece por causa dos chefes máximos. Parece que não estão muito dentro do que é a equidade de gênero e, às vezes, parece que eu é que estou a impor ao meu chefe e que ele tem que aceitar aquilo que eu quero.
As coisas não deviam ser assim. Quando faço uma actividade planificada, tendo em atenção a equidade de gênero, eu estou a cumprir algo que vem de cima. Mas, muitas vezes, quando submeto o projecto, já não passa, porque acham que não é importante beneficiar uma área de rega para mulheres.

É preciso mudar a mentalidade política, é um problema político?

O que noto, na prática, é isso. A expectativa que tenho com este atelier é que as directrizes para Moçambique sejam muito claras, como uma imposição. Para haver projecto é preciso as associações estarem organizadas e terem atenção à equidade de gênero.
Gostaria que houvesse essa recomendação desde o topo, para que eu, enquanto técnica, possa chegar ao terreno, fazer a pesquisa e dizer: a zona x tem condições de irrigação, vamos montar um sistema, são tantos homens e tantas mulheres, é preciso este dinheiro e o meu director aceitar isso, como sendo a regra.



Então convencer os agricultores no terreno não é a parte mais complicada? Eles percebem a mensagem?

Eles percebem, principalmente as senhoras. Na minha divisão de trabalho prático, eu primeiro convido os homens e digo qual é o meu objectivo, o que é o gênero, tento mudar a mentalidade, pergunto se não queriam ver a mulher instruída, a ir ao campo, produzir, ser ela a fazer a comercialização, e fazer a distribuição do valor que ela tem e comprar o que precisa comprar, sem precisar de pedir ao homem.

Elas são discriminadas em todos esses processos?

Claro. O trabalho que estamos a fazer é tentar fazer ver ao homem e à própria mulher que é possível, que ela também tem direito. Os projectos de sistema de rega já foram chumbados porque se achou que eram valores muito elevados para as mulheres gerirem. Alguns chefes pensam assim.
Eu, na prática, chego à conclusão, que elas, quando têm as explicações todas sobre o sistema de rega, acabam por se dar muito bem sozinhas.
As coisas estão a mudar, mas os problemas costumeiros são muito difíceis. Antes a mulher tinha tarefas muito específicas: era dona de casa e da machamba, cuidava dos filhos, fazia a comida. O homem podia sair da aldeia, procurar um emprego fora, e mesmo os produtos que a mulher cultivava e vendia ele é que tomava posse do dinheiro e fazia a divisão. Mas com a sensibilização que os nossos extensionistas têm feito, o homem já começa a aceitar que a mulher venda os produtos e que ela mesma decida o que comprar e como gastar.

E qual é o maior desafio, neste momento?

É mudar a mentalidade dos homens. A primeira conversa de sensibilização que faço é com os homens, porque é o homem que impõe, e que sempre impôs. Tenho que lhes expor os objectivos, fazê-los ver o significa que uma filha, uma menina aos 12 anos já não possa ir à escola, tenha que casar e tomar conta de casa. Fazer ver que a filha e os rapazes da mesma idade devem ir à escola, que ela deve ter um ensino superior, a economia dela, ser independente. Vemos nas comunidades rurais que os mais velhos começam a aceitar isso de outra forma, começam a ficar mais espertos e acho que é uma questão de sensibilização mesmo. Eles sempre viveram naquele mundo e para sair daquele mundo precisam de uma explicação e de uma realidade. Depois de verem uma realidade acabam aceitando.

Eles acreditam que é possível?

Agora as meninas já vão à escola, e depois para o ensino superior. A mudança de mentalidade está a acontecer. Mas ainda é preciso muito trabalho de sensibilização.

Já se nota uma maior presença da mulher no ensino, no poder?

Noto muito nas escolas. Nas escolas do ensino superior, a maioria são mulheres.
E nos serviços muitos postos começam a ser ocupados por mulheres. Isto já é um passo positivo, no pensamento da própria mulher e do próprio homem. A mulher pode estar num posto de tomada de decisão e o marido pode ser apenas um técnico, isso antes não era possível. Elas assumem a sua chefia e fazem o trabalho normalmente, e conciliam com o trabalho em casa.

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