18.6.10

Armanda Gomes: “Se a mulher não está no lugar de decisão continua pobre”

Entrevista com Armanda Gomes, presidente da Associação de Desenvolvimento Integrado de Rui Vaz (interior de Santiago)

Destaques:
  • Presidente da ADIRV defende quotas para mulheres nos órgãos comunitários de decisão
  • Associações devem procurar auto-financiamento e resistir à subsídio-dependência
Neste atelier (Maio de 2010, na cidade da Praia) temos feito vários exercícios que demonstram como se geram as desigualdades de gênero. Achou estes exercícios interessantes?
Há um que me marcou, o do caso da mulher com posse de terra e distribuição de água. Se reparou bem nos exercícios mostra-se que as famílias cabo-verdianas são chefiadas por mulheres chefes de família, mas na hora em que se planifica com aquele mapa de estratégia há algumas áreas em que a mulher fica longe da decisão.

Isso acontece na vossa região?
Por acaso, não. Mas, em quase toda a parte, é assim que a mulher está. Temos que destacar que nas terras de sequeiro são apenas as mulheres que fazem a agricultura, enquanto no regadio, que é onde dá dinheiro, são os homens que produzem.

E porque é que é assim?
Acredito que é por causa da cultura, mas também acredito que temos que ser mais dinâmicas. Quando falo em dinâmica, quero dizer ter quotas. Quem é que dá quotas à mulher?

Porque é que as mulheres aceitam isso, porque não são mais dinâmicas?
Eu acredito que muitas coisas já mudaram, temos que ser realistas. Mas, para mim, tem que mudar muito mais. As mulheres devem ocupar mais lugares de destaque, devem ter mais estudos e mais posição. Temos grandes mulheres, grandes exemplos, e penso que as mais velhas devem incentivar e apoiar as mulheres jovens porque muitas têm capacidade de chegar a algum lugar. O meu conselho é que vão para lugares chave, porque todas as mulheres saem a ganhar se houver mulheres em lugares de decisão. Se não estamos em lugares de decisão, onde a nossa voz é ouvida, continuamos pobres. É preciso estar no centro de decisão, mas também saber ouvir e dar opinião.
Quando estamos numa sala em reunião, encontramos muitos tipos de mulheres naquelas camadas mais pobres. Muitas têm dificuldade de falar até mesmo sobre aquilo que sentem. Assim não vamos a lugar nenhum. Temos que expressar o que sentimos para que entendam onde queremos chegar.

Em Rui Vaz, as mulheres não têm problemas em se expressar?
Não há tanta desigualdade, e acho que é porque as mulheres estão lá a representar a associação. São cem mulheres e 71 homens na associação, nós estamos na maioria. Foi necessária muita formação e um conjunto de investimentos para chegarmos até este ponto. Por exemplo, a Armanda de ontem não é a Armanda de hoje. A formação é para se pôr na prática, mas primeiro ajuda-nos a deixar de ser tímidas, a perder o medo. Começamos a afirmar-nos e a defender a comunidade. A defendê-la da maneira que se sente que é preciso defender.
Aqui no atelier reparei, através dos exercícios, que a mulher é que carrega mais a água e que usa mais a água, mas no mapa que fizemos, ficou a notar-se que o homem é que toma a decisão sobre a água. Penso que devemos equilibrar: se somos nós que temos mais necessidade de água, somos nós que temos que decidir onde o furo fica e como é distribuído.

Têm algum problema com distribuição de água ou posse de terra em Rui Vaz? Faça-me um retrato da zona, em termos de recursos hídricos e fundiários.Não temos problemas com água desde que abrimos um furo. Quanto à terra é quase tudo de privados e não há propriedade de regadio. Normalmente, o privado faz o que quer da sua terra e tem rendeiros para trabalhar, mas penso que estamos a demorar a mudar. É preciso rentabilizar os rendeiros, em vez de semear milho e feijão deviam passar para a horticultura, que rende mais. Mas é bom que fique claro que temos mulheres que são chefes de família e não têm terra.
Outra parte importante de Rui Vaz é o perímetro florestal de Curralinho, que é uma área reservada, é um patrimônio. Ali está definido o que é posse de terra e água e o que podemos fazer ou não.

O perímetro é usado pela comunidade?
Não, é conservado como floresta. Antes havia a tentação de o usar para a agricultura, mas se o fizéssemos não teríamos floresta. Temos que ser claros, a comunidade tem muito a ganhar com o Curralinho. Por exemplo, vendemos lenha retirada de lá e o fundo reverte para a comunidade de Rui Vaz e é uma atracção para os turistas da montanha. Para mim, tudo no deve ser preservado.

A comunidade apoia na preservação da floresta, por exemplo com trilhas e guias?
Já formamos alguns guias. Fizemos uma ampliação do perímetro, para incluir a categoria de parque florestal no Curralinho. Construímos a fábrica de queijo para as mulheres chefes de família, mas agricultura não. Temos um plano para trabalhar no perímetro, ninguém tira um pau sem pedir à associação.

Isso foi feito em parceria com o Governo?
Fizemos os planos com o MADRRM. E agora vamos desenhar um plano especifico para aquela área, por exemplo, para usar o eucalipto para o artesanato, um mapa das plantas endêmicas, ervas, animais.

É muito difícil, hoje em dia, para uma associação local fazer projectos e obter financiamentos?Toda a associação que trabalha para o desenvolvimento tem sempre alguma dificuldade. Antes os projectos eram dados a fundo perdido e agora não. Agora sou eu, como associação de base, que faço o projecto. Mas isto coloca-nos muitos entraves. Se se tratar de um projecto com um orçamento de dez mil contos para cima, temos que ter um técnico especializado na matéria, e isso começa a complicar a vida da associação. Se alguém de fora nos chama por causa do projecto e fala francês ou inglês complica a vida ao presidente da associação comunitária. Se é preciso alguém que fale inglês para escrever um projecto tem que se pagar um custo alto.
Para concorrer a projectos a nível internacional, a exigência é grande. Na hora que começamos a sair de base é preciso uma estrutura e já há outra responsabilidade.

A ADIRV tem dois projectos internacionais, certo?
Sim, da União Europeia. Os dois financiamentos são para a fábrica de queijo, que já está concluída. É como um bebé que está a nascer. Estamos a concorrer ao segundo projecto, de 30 mil contos, para pôr a fabrica a funcionar, e fazer o bébe a caminhar. Isto faz-nos também pensar na responsabilidade da associação, na sua estrutura, e em que tipo de associação queremos nos tornar. Não vejo a associação depender sempre de alguém para nos dar e dar. Vejo-a a criar um fundo para que numa hora em que seja preciso não tenhamos que depender dos outros, nem de nenhum apoio.

2 comentários:

Repositório de Pesquisas APAs CCJ disse...

Prezados,

Vocês saberiam me informar se a Lei de Terras de Guiné-Bissau já foi regulamentada?

Obrigado,

Rui Martins disse...

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